Quando a solidariedade é uma coisa má

Poder-se-á dizer que o povo Português é um povo solidário. Desde a óptica interna, comprovada pelos auxílios exemplares a Pedrógão Grande e a Monchique, até à externa, demonstrada pela pressão político-social exercida contra a Indonésia, no sentido de pôr termo à ocupação de Timor-Leste. Por tão nobres actos, entre os muitos outros que a memória…

Contudo, como tudo na vida, deverá existir moderação. Não, não me refiro à solidariedade monetária ou social, pois dessa nunca haverá em demasia. Refiro-me antes, e para triste epifania daqueles que julgavam que o texto ia num certo e determinado sentido, à solidariedade política.

Triste é a ocasião em que um povo aparenta preocupar-se mais com o que se sucede além-fronteiras, do que em “limpar” a metafórica casa. Aquele que se der ao trabalho de questionar o comum transeunte de qualquer cidade Portuguesa, relativamente ao presente panorama político nacional, certamente será confrontado com um discurso perfeitamente afinado, qual trompete espezinhada por um elefante: “Os políticos são todos uns corruptos de m*rda!”.

Ora, tamanho desinteresse por parte destes meus compatriotas, por mais entristecedor que seja para esta minha jovem alma, encontra-se dentro dos parâmetros da liberdade de expressão que a tantos antepassados nossos custou a adquirir. Problema, é quando a geografia se altera.

Questione-se sobre a figura de Donald Trump, e a resposta será que “é um monstro laranja”. Conjecture-se sobre Netanyahu, e a mesma será que “é um genocida”. Pergunte-se por Bolsonaro, e dirão “tem de ser impedido!”. Quantas publicações já eu li e reli nas redes sociais a declamar autênticas epopeias contra estes políticos, apelando a um boicote eleitoral contra as suas candidaturas. O problema não se encontra nos textos em si, mas em que os redige. Quantos destes mesmos guerreiros das redes sociais se aclamam de uma moralidade tal, quando a grande maioria nem ergue o dito traseiro para se dirigir às urnas do nosso país.

Compreenda-se que a crítica subjacente ao mesmo texto, estimados leitores, não parte de serem contra estes mesmos indivíduos, mas pelo facto de exigirem mais deles, do que exigem dos representantes no vosso ordenamento jurídico.
Mais vezes observei eu textos equiparáveis a dissertações de mestrado referente aos malefícios de chefes de Estado estrangeiros, do que sobre aqueles que tantas vezes prejudicaram o Estado Português. Eu bem acredito que é “bonito” andar com os hashtags e pertencer a multidões histéricas que proclamam a demissão de alguém sobre o qual apenas leram a manchete, mas e contra os nossos? Quantos de vós, estimados leitores, ergueram vozes contra o deputado/a, Primeiro-Ministro ou Presidente da República que criou ou aprovou um diploma legislativo que vos prejudicou a vida? Rezam pelos povos lá de fora, mas e nós, que já mal possuímos dinheiro para arrendar uma casa, muito menos para a comprar.

Ora, não depreendam das minha palavras que não deve existir solidariedade política, mais não seja pela manutenção de boa relação entre povos. Contudo, observemos alguns dos problemas com que a 3.ª República Portuguesa se tem defrontado em 40 anos de democracia: três resgates financeiros; perda de mais de 150 mil hectares de floresta, tendo sido o único Estado-Membro a perder área florestal nos últimos 15 anos; oligopólio das petrolíferas, cujo preço dos combustíveis se mantém sempre em constante subida, independentemente do preço do crude; falência do BPN, BPP, BES e BANIF, com custos na ordem dos milhares de milhões de euros para o erário público, sem qualquer atribuição de responsabilidades.

Escassas, se não inexistentes, foram as vezes em que o povo Português exigiu responsabilidades políticas perante tamanhas tragédias para o bem-estar e estabilidade económica de centenas de milhares de famílias. Onde se encontravam as manifestações convocadas através das redes sociais, os hashtags e as mensagens de solidariedade, quando tudo isto sucedeu?

Arrisco-me a dizer, muito honestamente, que preferimos massajar os nossos egos intelectuais, ao dizermos que lutamos contra uma nova ascensão de extremismos, do que verdadeiramente empreender aquilo que de mal se passa no nosso território. Não se preocupem, pois é um ardil que em muito facilita o poder já instalado, seja ele ideologicamente de Esquerda ou de Direita.

A vós, caros leitores e eleitores, cabe fazer um juízo de valor: permanecer na vossa inércia, ou erguer a voz contra aqueles que prejudicam os vossos pais e filhos, como o fariam por uma qualquer nação estrangeira. É bonito andarmos neste comboio, até ao dia em que nos apercebemos que o mesmo se encontra a arder.

Afonso Dantas