Eutanásia… a derrota no Parlamento com regresso anunciado

No meu Centro de Saúde nunca houve ninguém que me falasse no assunto, e muito menos que manifestasse vontade de acabar com a vida

Há poucos meses, como se o país não tivesse mais nada para fazer ou em que pensar, só se falou neste tema melindroso – que, como se viu pela votação dos deputados da Assembleia da República, divide os portugueses, gerando enorme controvérsia. 

É triste constatar que, com outros temas pertinentes e importantes para tratar que dizem respeito à vida, se dedique tanto tempo para falar num assunto que direta ou indiretamente tem a ver com a morte. O filósofo chinês Confúcio, com a sua profunda sabedoria, já se interrogava: «Porquê preocuparmo-nos com a morte? A vida tem tantas coisas que temos de resolver primeiro…». 

E será que este problema preocupa mesmo as pessoas de modo a que elas o imponham à sociedade, ou é a sociedade que o impõe às pessoas – e lá vamos nós, uma vez mais, a reboque, copiando os maus exemplos lá de fora? 

Se coloco assim a questão, cá tenho as minhas razões. No meu Centro de Saúde, com quase 2 mil pessoas inscritas na minha lista de utentes, até hoje nunca houve ninguém que me falasse no assunto, mesmo só para o abordar, muito menos manifestando vontade de acabar com a vida. Isto vale o que vale, é certo, mas sempre vale alguma coisa.

Eutanásia não significa acabar com o sofrimento: significa acabar com a vida. E não é justo, nem razoável, nem aceitável do ponto de vista moral, que para acabar com o sofrimento se acabe também com a vida de um ser humano.

Acresce ainda que, ao falar da eutanásia, está-se automaticamente a partir do princípio de que a classe médica alinha e concorda com tal prática, ou seja, os políticos decidem contando à priori com a conivência dos médicos – os quais, por definição, visto estarem ao serviço da vida, se deviam opor incondicionalmente.

Custa-me imenso ver colegas meus, independentemente do lugar que ocupam e das mais variadas especialidades, defenderem práticas que se opõem ao respeito pela vida que outrora juraram defender… «Guardarei respeito absoluto pela vida humana desde o seu início, mesmo sob ameaça e não farei uso dos meus conhecimentos médicos contra as leis da humanidade».

Ao ouvir certos debates, cada um emitindo a sua opinião, sempre defensável do seu ponto de vista, apetece-me dizer: «Digam o que quiserem, decidam o que entenderem, desde que tirem os médicos desse filme». Um médico não tem o direito, seja em que circunstância for, de acabar com a vida de um ser humano, ainda que a pedido do doente. É colocar na consciência dos clínicos a responsabilidade da decisão dos doentes, passando o médico de aliado do paciente a carrasco da sua autocondenação. Inaceitável! 

É fácil fazer leis (e aprová-las no Parlamento) que permitam tirar a vida; mais difícil e mais dispendioso (é sempre bom referi-lo) é investir nos cuidados paliativos, de modo a minimizar o sofrimento humano. É tentar perceber os motivos daqueles que querem acabar com a vida. É procurar ir ao encontro dos seus verdadeiros problemas. 

Este caminho é mais duro, mais exigente e mais complexo, mas é aquele que devemos seguir, custe o que custar. Como médico de família, sinto que é preciso pensar a sério na formação dos profissionais sempre que se fala em cuidados paliativos – para não se cair no oposto, na distanásia, outra prática condenável do ponto de vista médico e humano, em que se procura prolongar a vida à força por métodos artificiais, quando já não é possível fazer mais nada em defesa da vida.

E adivinhando-se que este tema volte de novo a ser discutido no Parlamento ou mesmo através de um referendo, é bom que as pessoas estejam devidamente esclarecidas e percebam bem o que está em causa. A minha experiência diz-me precisamente isso no contacto diário com os doentes. Não podemos ser ingénuos. É preciso estarmos atentos e, na altura certa, emitirmos a nossa opinião de forma clara e inequívoca. Pela minha parte, não me restam dúvidas e responderei sem hesitar. Sou a favor da vida. Sempre.

Médico