Emergência: avião pode não voltar a voar

As manobras violentas durante o voo podem ter causado danos na estrutura do aparelho da Air Astana e a hipótese de não poder voltar a voar não está de parte.

Vamos imaginar o seguinte cenário: uma ponte é construída para suportar cinco toneladas e um dia passa nessa mesma ponte um camião com dez toneladas. A carga em excesso pode causar danos na estrutura da ponte. E aqui existem duas hipóteses – ou a ponte cai de imediato, ou pode cair posteriormente se não for reparada. Este paralelismo pode ser usado para exemplificar o que aconteceu com o avião da Air Astana no domingo passado quando aterrou de emergência em Beja. Afinal, quais são as consequências para a aeronave? A última é não voltar a voar – e esta é uma hipótese que não deve ser descartada. O avião perdeu o controlo dos eixos de rotação. Ou seja, quando o piloto virava para a esquerda, a resposta era contrária, originando manobras de voo relativamente violentas. 

Luiz Braga Campos, professor catedrático e coordenador do curso de engenharia aeronáutica do Instituto Superior Técnico, explica que foram essas manobras, «com acelerações relativamente grandes que podem ter danificado a estrutura». O problema não terão sido as cargas da aterragem, mas sim as manobras durante o voo. «O que pode causar danos são manobras muito violentas em voo», realça Luiz Braga Campos. Os exercícios realizados não são normais ou suportáveis para um avião de transporte, são sim característicos de aeronaves da Força Aérea, por exemplo, com cargas mais leves. 

Os movimentos realizados pelo Embreaer chamam-se tonneaus, nome técnico para a manobra que faz o avião rodar sobre o próprio eixo. Por exemplo, se a palma da mão estiver virada para baixo e for virada para cima, a isto chama-se um tonneau. No entanto, num dos movimentos de rotação, o avião acabou com o nariz para baixo a 90 graus e «esse tipo de manobras pode dar grandes acelerações». 

 

Carga G 

Além dos movimentos, a questão fundamental é a carga G, que mais não é do que a medida da aceleração. Um corpo em queda livre tem a aceleração de 1G e, neste caso especifico, «quando se fala de Gs é a aceleração centrípeta durante a manobra». Ou seja, quando o corpo faz uma curva, fica sujeito a uma aceleração. «Se o avião vai a direito só tem um peso, se faz uma curva tem uma aceleração». Normalmente, um avião de transporte é projetado para valores entre 2,5Gs e 4,5Gs. Suponhamos que o avião da Air Astana foi projetado para 2,5G e durante o voo fez 3,5G – excedeu a carga estrutural. O avião não esteve a voar normalmente e o limite foi ultrapassado durante as manobras violentas. «Fez uns tonneaus que não eram intencionais e que podem ter excedido a carga admissível para a estrutura», diz Luiz Braga Campos, recordando o exemplo da ponte. O excesso de carga estrutural pode determinar o fim do avião, mas só a caixa negra o vai decidir. «Aí vão ver: o avião foi projetado para 2,5Gs, atingiu 4Gs, excedeu o limite de carga, portanto não pode voar, a não ser que se verifique a estrutura toda e não haja nada». 

Além disso, existe o fator económico, como acontece com os carros, por exemplo. «Há danos reparáveis e há danos não reparáveis. Se o dano for tão grande que quase tem de fazer a estrutura toda do avião, pode simplesmente nem ser económico. Se for muito grande, pode sair mais caro do que fazer novo», explica Luiz Braga Campos, acrescentando que a idade do avião também é tida em conta e aí pode não se justificar o investimento da reparação.

No fundo, é necessário esperar pelo relatório final que  indicará para quantos Gs foi desenhado o avião e a quantos Gs foi sujeito durante a fase de voo em que andou descontrolado. «Mas só se pode tirar essa conclusão, ou analisando os registos do voo, a caixa preta que regista as acelerações e ver se se excederam as acelerações limites, ou inspecionando a estrutura», explica o professor. 

 

Emergência nos céus de Lisboa

Um avião da companhia Air Astana, do Cazaquistão – que tinha capacidade para 120 pessoas, mas apenas levava seis a bordo -, teve de aterrar de emergência em Beja, depois de ter sofrido «falhas críticas nos sistemas de navegação e controlo de voo», no domingo passado.

Para já ainda não se conhecem as causas do acidente, mas de acordo com as primeiras investigações, o aparelho terá sofrido problemas nos eixos de controlo. Ou seja, quando os pilotos viravam para a direita, o avião virava para a esquerda, perdia altitude e voltava a subir.

Minutos depois de a aeronave ter levantado voo o piloto comunicou a situação de emergência. «Mayday, Mayday, perdemos o controlo», pode ouvir-se nas conversas entre a tripulação e a torre de controlo.

«O aparelho está incontrolável», afirmou. «Gostaríamos de aterrar no mar assim que possível», completou, deixando claro que não tinha controlo sob o avião. 

O aparelho andou à deriva no céu de Lisboa durante cerca de duas horas, sempre num trajetória completamente descontrolada. Foi estudada a hipótese de amaragem no rio Tejo, mas a tripulação foi desaconselhada a fazê-lo, porque a torre de controlo considerou que essa seria uma manobra de alto risco – tendo em conta as condições meteorológicas adversas que se faziam sentir em Lisboa naquele dia. Foi então que as autoridades decidiram que era mais seguro aterrar no aeroporto de Beja, mas este só o conseguiu fazer à terceira tentativa. Na primeira, o aparelho não estava alinhado com a pista. Na segunda, estava demasiado alto e foi apenas à terceira que conseguiu aterrar em segurança, tenho atingido apenas algumas luzes da pista.

O avião chegou mesmo a ser escoltado por dois F-16 da Força Aérea Portuguesa (FAP), que se mostraram cruciais para a aterragem. Os militares da FAP guiaram o piloto para assegurar que, depois de o aparelho descer, não voltava a perder a visibilidade. 

Os pilotos da FAP revelaram que recearam o pior no momento em que o piloto do avião disse que não tinha controlo sob a aeronave. 

Não se registaram vítimas mortais e de acordo com o comandante da BA11, apenas dois elementos da tripulação foram levados para o hospital porque não se estavam a sentir bem devido a «todo o stress».

Este era um voo de teste, depois de o avião ter estado em manutenção durante um mês nas oficinas da OGMA – Indústria de Aeronáutica de Portugal, em Alverca.