Juntas de Freguesia na mira da Justiça

Entre assessores contratados para cargos fictícios, ajustes diretos a empresas suspeitos, desvio de verbas para pagamento encapotado de salários, é vasto o leque de suspeitas nas juntas que estão a ser investigadas pelo MP.

Juntas de Freguesia na mira da Justiça

Nos últimos meses têm vindo a público vários casos de juntas de freguesia do PS e do PSD, sobretudo de Lisboa, que estão a ser investigadas pelo Ministério Público.

Um dos inquéritos em curso é o Tutti Frutti que investiga as suspeitas de crimes como tráfico de influências, corrupção, participação económica em negócio ou financiamento proibido dos partidos, num esquema que envolve autarquias e juntas de freguesia de todo o país. Estão ainda envolvidos o deputado e ex-vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, Sérgio Azevedo, e Carlos Eduardo Reis, conselheiro nacional do PSD, ex-presidente da JSD de Braga que apoiou Santana Lopes nas últimas diretas para a liderança do partido. Estão ainda envolvidas as sedes a Comissão Distrital de Lisboa do PSD e a Concelhia de Lisboa do PS que também foram alvo de buscas da PJ, que só com este caso tem em mãos mais de 500 escutas telefónicas e milhares de documentos, recolhidos nas 70 diligências.

Na mira do Ministério Público estão contratos com assessores fictícios através de avenças ou contratos com empresas e um alegado saco azul conseguido de forma ilícita que terá sido usado para pagar quotas a eleitores com o objetivo de estes votarem em Pedro Santana Lopes nas últimas eleições diretas para a presidência do partido.

Há ainda a suspeita do envolvimento de diversos casos de troca de favores com o PS, em Lisboa, com ligações a Medina, com um esquema de contratações de avenças e de empresas, que acabaram por influenciar as eleições autárquicas de 2017. Também o gabinete do vice-presidente da Câmara de Lisboa, Vasco Cordeiro, foi alvo de buscas.

Além do inquérito da Tutti Frutti, o Ministério Público está ainda a investigar o presidente da junta de Campolide, André Couto, (PS), com suspeitas de má gestão de dinheiro público e de várias ilegalidades cometidas em duas instituições particulares de solidariedade social (IPSS), nas quais ocupa cargos na direção, avançou o jornal i.

Também a junta de Arroios, presidida por Margarida Martins, (PS), está a ser investigada pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) no seguimento de suspeitas com a contratação de uma empresa de materiais de construção, segundo revelou o Expresso na semana passada.

Operação Tutti Frutti

Em junho, as autoridades não deram tréguas ao PS e ao PSD tendo na mira os esquemas dos contratos fictícios de assessores e de adjudicações diretas de empresas realizadas por 20 câmaras e juntas de freguesia de todo o país.

O deputado social-democrata Sérgio Azevedo, um dos principais envolvidos no caso, viu a sua casa ser revistada pela PJ. Isto por ter várias ligações às empresas contratadas e a presidentes de junta que faziam parte do alegado esquema de troca de favores.

Além disso, os investigadores acreditam que existia dentro do PSD Lisboa um saco azul alimentado por um esquema de corrupção que teria o deputado social democrata Sérgio Azevedo, à data era vice-presidente da bancada parlamentar, como peça central. Para disfarçar o suborno, o ex-vice-presidente da bancada parlamentar do PSD terá feito o pagamento das quotas dos eleitores do PSD através de empresas. Mas essas entidades já estavam a ser observadas pela PJ há dois anos, permitindo às autoridades seguir todos os movimentos dos suspeitos desta investigação, ou seja, diversos autarcas, presidentes de junta e o deputado Sérgio Azevedo.

A investigação acredita ainda ter conseguido desvendar qual a origem do dinheiro do saco azul. Em primeiro lugar, a alegada contratação pelas juntas de freguesia e na Câmara de Lisboa de vários assessores fictícios, em que parte dos salários – que rondavam os cerca de 2 a 3 mil euros – revertia para o saco azul. Além destas contratações, terá sido traçado um plano que passava pela contratação de empresas detidas por militantes do PSD, acabando parte do dinheiro das adjudicações no mesmo esquema.

Outro dos principais envolvidos é Carlos Eduardo Reis, conselheiro nacional do PSD e ex-presidente da JSD de Braga, que tem a empresa Ambigold, também alvo de buscas. Esta foi uma das empresas que foi contratada por várias câmaras municipais e juntas de freguesia de todo o país. De acordo com o portal Base, onde são publicados os contratos públicos, em apenas dez ajustes diretos a Ambigold somou mais de 1 milhão de euros.

Sérgio Azevedo e Carlos Eduardo Reis são sócios desde 2012, tendo em conta que o site da Assembleia da República refere que Sérgio Azevedo tem 15% do capital social de uma sucursal da Ambigold, com sede em Maputo, a AlbiGold InvestMoz, Lda.

Além disso, Sérgio Azevedo é amigo de Luís Newton, presidente da junta da Estrela, com quem viajou à China a convite da Huawei, também com ajustes diretos.

Outros dos suspeitos são Henrique Muacho, também do PSD, que nas últimas autárquicas chegou a ser candidato à união de freguesias de Póvoa de Santo Adrião e Olival de Basto. Henrique Muacho tem a empresa Informatem que fez vários ajustes diretos a juntas de freguesia, sobretudo a da Estrela, de Luís Newton de quem é amigo.

Também o gabinete de André Ventura, vereador na Câmara de Loures eleito pelo PSD, foi um dos alvos das buscas por suspeitas da contratação de um assessor com cargo fictício.

 

Acordo entre PS e PSD

A investigação Tutti Frutti é complexa e serão várias as frentes que estão sob investigação. As autoridades estão ainda a analisar um alegado esquema montado entre o PS e o PSD antes das eleições autárquicas de 2017, com uma reunião entre o Sérgio Azevedo e Vasco Cordeiro, vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, para que fossem escolhidos candidatos para as juntas em Lisboa. Encontro que foi do conhecimento de Fernando Medina.

Também Luís Newton – presidente da junta de Freguesia da Estrela – terá tido conhecimento da mesma e inclusivamente participado na escolha dos candidatos.

No âmbito deste inquérito, o Ministério Público (MP) acredita que os dois partidos terão acordado em escolher candidatos que não iriam alterar o panorama atual nas freguesias: nas juntas do PS, o PSD propunha um candidato mais fraco e nas do PSD, o PS escolhia nomes desconhecidos.

Depois, o objetivo era nomear assessores de ambos os partidos para a Câmara e Assembleia Municipal, onde além de ficarem com salários altos, conseguiriam que as juntas de freguesia fizessem ajustes diretos a empresas por si controladas ou de alguma forma ligadas.

Ao SOL, na altura, tanto Sérgio Azevedo como Fernando Medina negaram a existência de qualquer reunião.

Entre as autarquias alvo de buscas está a de Lisboa, Vila Nova de Gaia, Santa Maria da Feira, Esposende, Famalicão, Barcelos, Oeiras, Cascais, Golegã, Ponta Delgada, Marinha Grande, Póvoa de Lanhoso ou Loures. Foram ainda alvo de buscas as freguesias de Benfica, Arruda, Santo António, Estrela, Alvalade, Parque das Nações, Penha de França, Areeiro e Carnaxide.

 

Campolide e as IPSS

O presidente da junta de freguesia de Campolide, André Couto (PS), – próximo de Duarte Cordeiro – está a ser investigado pelo Ministério Público e pela Segurança Social por suspeitas de má gestão e de várias ilegalidades alegadamente cometidas em mais do que uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), enquanto exercia cargos na direção.

Uma das instituições é o Externato Educação Popular, da qual André Couto foi vice-presidente, e que recebe apoios da Segurança Social e do Ministério da Educação, num total que ultrapassa os 1,4 milhões de euros.

As suspeitas do Ministério Público recaem em desvio de verbas da instituição para alegados pagamentos encapotados de salários de cinco membros da comissão executiva. Também o Instituto da Segurança Social tem em curso uma auditoria às contas da instituição, confirmou fonte oficial.

Em causa estão, sobretudo, avenças com funcionários e empresas que prestam serviços em simultâneo na Educação Popular e na junta de freguesia.

Outra das instituições investigadas pelo MP e pela Segurança Social é a Fundação António Luís de Oliveira, onde também foram alegadamente cometidas várias irregularidades que apontam para má gestão. Também aqui vários cargos da direção foram ocupados por funcionários da junta de Campolide, com ligações a André Couto.

Arroios e a empresa de construção

No caso da junta de Arroios, presidida por Margarida Martins, do PS, as suspeitas do DIAP estão na contratação de uma empresa de materiais de construção para a aquisição de dois mil sacos de cimento. Um volume considerado «muito superior» às necessidades de construção da junta, revelou o Expresso na semana passada.

Também este caso está a ser passado a pente fino pelos investigadores do Ministério Público que analisam a alegada participação direta de Margarida Martins nesta contratação.

De acordo com o Expresso, a presidente da junta de Arroios terá rubricado as faturas para a despesa de dois mil sacos de cimento. Além disso, o tesoureiro que assinou as faturas foi afastado do pelouro tendo apresentado, de seguida, a sua demissão.

Mas esta foi apenas uma das saídas de que revela um mal-estar entre a presidente e os funcionários na junta de Arroios, refere o semanário.

Além do tesoureiro, na semana passada, três membros do executivo apresentaram a demissão. Trata-se de André Gomes, eleito como independente e ex-comandante da Polícia Municipal de Lisboa, Ana Vieira, da Juventude Socialista e Filipe Beja, também socialista. O Expresso escreve que os motivos invocados para a saída dos funcionários passam pela «falta de confiança política e pessoal na presidente para o desempenho do cargo».