«Falar pró boneco»

Esta expressão, que encontrei numa caixa de eletricidade, na Rua das Flores, no Porto, recorda-nos que, muitas vezes, ficamos a «Falar pró boneco».       Apesar de tentarmos manter um diálogo, que é exatamente o que nos pode ligar aos outros e com eles manter uma relação, acabamos, por vezes, por ter a sensação de…

Esta expressão, que encontrei numa caixa de eletricidade, na Rua das Flores, no Porto, recorda-nos que, muitas vezes, ficamos a «Falar pró boneco».      

Apesar de tentarmos manter um diálogo, que é exatamente o que nos pode ligar aos outros e com eles manter uma relação, acabamos, por vezes, por ter a sensação de que não nos ouvem ou de que não nos dão a atenção que gostaríamos de receber. E, nesses momentos, sentimos que não estamos a conversar, mas, antes, a falar sozinhos, como se falássemos para uma «parede» ou para um «boneco», que só está presente fisicamente, enquanto a sua mente se ausenta para outras paragens, ou nem sequer existe…

Mas, também nós o fazemos muitas vezes, porque ficamos reféns da correria louca em que a vida se transforma, e nós próprios não damos aos outros a atenção que merecem ou de que, nesse momento, necessitariam.

Como diz Tolentino Mendonça: «A maior parte das vezes é a correr que passamos pela vida uns dos outros. Mesmo com os nossos amigos: vamos sabendo deles, mantemos um contacto regular, encontramo-nos até, mas nem nos darmos conta como é a correr que o fazemos. Bastaria talvez um grãozinho de lentidão, um ínfimo que fosse de outro vagar, para que apreendêssemos aquilo que na pressa não vimos, aquilo que já era patente em sinais que não valorizámos, aquilo que ficou para dizer mais tarde, quando houvesse tempo, e depois nunca houve – sabendo todos que não foi por mal. O que custa, porém, é perceber depois que nem teria sido preciso muito: bastaria andar a um ritmo ainda humano em vez de voar; conversar, de vez em quando, em vez do constante entreter; escutar, e não apenas reduzir o espaço de comunicação à opaca sofreguidão com que as palavras rotineiras acabam por devorar a vida».

Esta forma tão bela e cheia de poesia com que Tolentino Mendonça descreve a correria sôfrega dos nossos dias faz-nos pensar como poderíamos ser diferentes, como poderíamos alterar a nossa forma de escutar e de dizer, deixando algum espaço para nos deliciarmos com palavras mais bonitas, para escutarmos o silêncio e para verdadeiramente olharmos os outros, tomando tempo para verdadeiramente os vermos, para verdadeiramente vivermos e darmos mais significado à nossa existência.

É, efetivamente, um privilégio escutar o silêncio, mesmo quando este, como diz Mourão-Ferreira: «Já (…) não é de oiro: é de cristal», demorarmo-nos nas coisas, nas pessoas, no que nos rodeia e naquilo e naqueles de quem gostamos. Porque, passarmos a correr pelo que nos faz felizes, não nos dá felicidade. Porque, corrermos desenfreadamente atrás de um sonho, não nos permite viver plenamente esse sonho. Muitas vezes pensamos que a felicidade é um destino, quando, na realidade, não o é. A felicidade é um caminho e só poderemos ser verdadeiramente felizes se conseguirmos usufruir desse caminho e de tudo o que nos acontece diariamente, confiantes na importância da presença amiga: Como diz Vinicius de Moraes: «O amigo: um ser que a vida não explica».

Estabelecemos metas como se essas metas nos pudessem trazer felicidade. E, no fundo, acabamos por passar ao lado dos pormenores, que são, eles próprios, o que de mais significativo existe na vida. Não são as metas que nos preenchem verdadeiramente. São os passos que nos levam até essas metas que realmente contam. E é com esta consciência que devemos caminhar, com a mente a funcionar.

Maria Eugénia Leitão