Há vinte anos, no concelho de Vila Viçosa, foi destruído o troço de uma estrada - fotocópia da que colapsou em Borba - para continuar a exploração da pedreira dos Cochichos sem riscos.
Não muito longe de Vila Viçosa, todos os dias às 9h da manhã, cinco trabalhadores entram nos elevadores da pedreira do Cochicho para começar a cortar o ‘ouro branco’ do Alentejo. O mármore é o ex-libris da região e não há pessoa que não conheça pelo menos um dos trabalhadores de uma das pedreiras. A descida de elevador demora cerca de cinco minutos e, percorridos 100 metros de altura, é alcançado o chão. Começa o trabalho.
A acompanhar todo o processo está o dono da pedreira, José Luís Cochicho. Por baixo dos seus pés, onde agora é explorada a extração de mármore, já existiu uma estrada. «Onde estão estas gruas passava uma estrada da Câmara Municipal que o meu pai comprou e agora vai por ali», indica o dono da pedreira com um gesto. Há vinte anos existiam duas explorações - uma de cada lado da estrada. Hoje, quem faz o percurso desde a aldeia de Pardais até à saída para a Estrada Variante tem vista privilegiada para as pedreiras. Mas em segurança. «O meu pai começou a falar com a Câmara, disse que isto estava perigoso, mas esta foi a única situação em que uma coisa deste género aconteceu».
Em termos práticos, este cenário é idêntico ao da estrada Municipal 255 que ruiu na passada segunda-feira e causou pelo menos cinco mortos. O ‘cordão umbilical’ que ligava Borba e Vila Viçosa colapsou devido à extração de mármore que todos os dias roubava pedaços fundamentais à sustentação e segurança da estrada.
O caso da Pedreira do Cochicho, a funcionar desde a década de 70, é único no distrito de Évora. O troço da estrada considerado perigoso foi substituído e a esta hora a exploração do mármore é feita «de acordo com todas as normas e segurança». «Isto aqui onde estamos era uma estrada, mas já estava muito estreita, então, em colaboração com a Câmara, foi estudado o assunto e arranjou-se esta solução», acrescenta o proprietário. O desvio da estrada trouxe vantagens e permitiu a José Luís continuar a alargar o perímetro de exploração, apesar de agora já só o fazer em profundidade e não em largura.
A arte do mármore
Quando se olha para o fundo da pedreira do Cochicho é possível perceber o trabalho desempenhado por cada um dos homens. A área é ocupada por três pedreiras, mas uma delas está inativa. «Neste momento existe ali água, porque aquela pedreira não está a trabalhar, mas nós temos uma bomba ao cimo da água. Vamos tirando a água conforme a necessidade, para não subir muito. Se subir vai para onde os homens estão a trabalhar, mas estamos sempre atentos», diz Manuel Laréu.
Só no distrito de Évora, por exemplo, há 104 pedreiras abandonadas ou com atividade suspensa que continuam a céu aberto, intactas. À frente de Évora só aparece Leiria, com 114. A lei que prevê a reabilitação da paisagem e da segurança dos terrenos muitas vezes não é cumprida, mas o problema é que por norma ficam ao lado de zonas de trabalho ativas, pondo em causa a segurança dos trabalhadores como aconteceu no início da semana em Borba.
O perigo de trabalhar numa pedreira é do conhecimento de todos. Segundo os operários é «uma questão de hábito». Um dos trabalhadores da pedreira do Cochicho admite que «depois de uns dias isso passa e tudo se esquece». Ainda assim, prefere trabalhar à superfície. «Já trabalhei lá em baixo, mas gosto mais de andar cá em cima», diz enquanto olha para os colegas que cortam o mármore. Os que estão a 100 metros de profundidade são obrigados a usar luvas, botas e capacete - é a primeira coisa que aprendem. Os mais velhos ajudam os mais novos que, numa primeira fase, estão sob o olhar de Manuel. «Chego lá, traço uma pedra, ensino a meter a máquina de fio de diamante no sítio, ensino a alinhar a máquina», refere. Aprender a trabalhar em segurança é fundamental para evitar acidentes - «Cortar sempre onde não haja ninguém atrás e usar sempre as proteções das máquinas, porque os cabos podem partir».
No Alentejo, o perigo é maior, já que as pedreiras são exploradas preferencialmente em profundidade, ao contrário do que acontece no Norte do país com a exploração de granito. A explicação é simples: com o tempo, o granito vai deteriorando, sendo necessário explorar em altura.
Ainda que a pedreira da aldeia de Pardais nunca tenha registado mortos, desde o inicio da exploração do mármore que os exemplos de acidentes são inúmeros. Só em 2016, os dados disponibilizados pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento revelam 448 casos de acidentes de trabalho nas indústrias extrativas, que incluem pedreiras, minas a céu aberto e construção. Os acidentes de trabalho provocaram quatro mortes no espaço de doze meses.
Para onde vai o ouro branco?
Em Bencatel, basta percorrer a estrada principal para perceber que a última fase do mármore passa, em grande parte, por aquela zona. O número de serrações é superior ao de pedreiras, pelo menos ativas. E é exatamente ao lado de uma pedreira abandonada com cerca de 20 metros de profundidade que está Jorge. Trabalha sozinho e em cerca de meia hora consegue manusear a grua para colocar os pedaços de mármore em cima da carrinha. Recebe a pedra em bruto e só tem de a serrar. O processo é simples, diz. «Pegamos nesta pedra, passa por esta máquina e já está pronta para vender». Dependendo do tipo de mármore, o processo pode demorar mais ou menos tempo, mas «leva sempre cerca de vinte minutos, meia hora», explica, enquanto mostra os resultados do mármore mais escuro: «Este, o cinzento, é bom para as escadas, o branco é para as cozinhas, o vergado é para as casas de banho, ficam muito bonitas».
Na serração é então feita a transformação do mármore. Em termos técnicos há duas hipóteses: ou é transformado em ladrilho, são placas com espessura de dez centímetros, ou em chapa, quase como saiu da pedreira.
Neste momento, «há quem prefira comprar o bloco inteiro», refere o encarregado da pedreira Cochicho. E os árabes são os principais destinatários desta matéria-prima. Além de ocuparem o topo da lista de compradores mundiais de mármore, preferem que a pedra chegue até eles «inteira para trabalharem os desenhos» que aplicam no chão, nas paredes e nos gigantes pilares dos seus palácios. Na lista de clientes da pedreira do Cochicho, depois da Arábia Saudita surgem os chineses e os italianos como principais responsáveis pelas exportações. Só no ano de 2017 foram produzidos 278 toneladas de mármore ornamental e de construção civil.