Como um simples texto no Facebook provocou a morte de várias pessoas na Nigéria

Investigação da BBC revela o poder das fake news

A polícia nigeriana afirma que as informações falsas e as imagens manipuladas que circulam pelo Facebook contribuíram para mais de uma dezena de mortes no estado de Plateau.

Tudo começou a 23 de junho: crianças esfaqueadas, homens com o crânio aberto, casas ardidas, bebés mortos nos berços, imagens que foram vistas por mais de 10 mil utilizadores e que rapidamente se espalharam por várias contas no Facebook.  Na legenda, a descrição de um massacre no distrito de Gashish, em Plateau. Este era o resultado de um ataque por parte dos fulas muçulmanos contra os berons cristãos, uma minoria naquela região.

A verdade é que houve, de facto, um massacre em Gashish naquele fim de semana. De acordo com as autoridades locais, entre 86 e 238 berons foram mortos entre o dia 22 e 24 de junho. No entanto, as imagens que circularam no Facebook nada tinham a ver com o que aconteceu em Gashish: a imagem de um bebé morto – que era acompanhada por um apelo para que Deus “levasse toda a geração de assassinos de crianças inocentes” – foi partilhada na rede social meses antes de tudo acontecer, refere a BBC. A fotografia de um homem com o crânio aberto nem sequer foi tirada na Nigéria – a imagem tinha sido captada em 2012, no Congo, explica o mesmo meio de comunicação. Estas fotografias funcionaram como gatilhos que aumentaram a onda de violência.

Habitantes da cidade de Jos, no norte deste estado, viram, no feed do Facebook, fotografias que, alegadamente, ilustravam o que se passava na vizinhança – isto acabou por gerar uma sensação de medo na comunidade, que temia sofrer um ataque semelhante. “Assim que vimos aquelas imagens, quisemos logo estrangular o primeiro fulani que nos aparecesse à frente. Quem não teria este sentimento, se visse o seu irmão ser morto daquela maneira?”, questiona um beron, ouvido pela BBC para o trabalho Like, Share, Kill (Gostar, Partilhar, Matar em português).

Ou seja, as imagens partilhadas não tinham nada a ver com o conflito entre fulanis e berons, mas acabou por potenciá-lo: as autoridades acreditam que, pelo menos um caso específico, teve origem nas imagens que começaram a correr no Facebook. Dez homens que partilhavam um táxi em Jos foram encurralados por berons e esfaqueados até à morte no passado dia 24 de junho.

“Foram as alegadas imagens do massacre que deram origem a este ataque”, disse à BBC Tyopev Terna Matthias, do gabinete de relações públicas da polícia de Plateau. “A zona sul de Jos não estava  a ser atacada, mas no seguimento da divulgação daquelas imagens, as estradas ficaram bloqueadas e várias pessoas foram mortas”, acrescentou.

E este não foi o único episódio na Nigéria: entre setembro e outubro deste ano, a polícia de Plateau afirma que detetou pelo menos sete casos de ‘fake news’ a correr no Facebook que estiveram na origem de desacatos.  Para o Major-General Augustine Agundu, este é problema muito difícil de controlar: “As ‘fake news’ começam a crescer antes de darmos conta do que se está a passar. É preciso investir muitos meios nesta luta, para que todos percebem que muitos dos conteúdos são falsos (…) Isto está a virar umas tribos contra as outras, a colocar religiões em lados opostos. Acabou por gerar um grande retrocesso”, garantiu à BBC.

As consequências de um rumor no Whatsapp

O mundo da Internet ainda está em expansão em vários países, incluindo a Nigéria – neste país, espera-se que, nos próximos sete anos, 53 milhões de pessoas ‘fiquem online’, explica a BBC. Mas um maior número de utilizadores significa também um maior número de conteúdos, sejam eles bons ou maus. O Facebook tem noção do que se está a passar e garante que está a tomar medidas para travar mais episódios semelhantes.

Mas estes casos não acontecem apenas com o Facebook: em agosto, dois homens mexicanos foram queimados vivos na cidade Acatlán, mesmo à porta de esquadra da polícia local, depois de serem acusados por vários populares de terem raptado e sequestrado várias crianças. Os suspeitos foram alvo de um julgamento popular e tudo devido a um rumor que corria no WhatsApp.

“Por favor, estejam atentos porque uma praga de sequestradores de crianças entrou no país. Parece que esses criminosos estão envolvidos no tráfico de órgãos… Nos últimos dias, crianças de quatro, oito e 14 anos desapareceram e algumas delas foram encontradas mortas com sinais de que os seus órgãos foram removidos. Os seus abdómenes foram cortados, abertos e estavam vazios.”, era a mensagem que corria no WhatsApp.

De acordo com a BBC, Maura Cordero – dona de uma loja de artesanato localizada perto da esquadra – contou que assistiu a toda a situação e que ficou chocada ao ver que os populares gravavam o momento em que Ricardo e Alberto estavam a ser queimados vivos.

“A multidão tinha um único objetivo. O portão de entrada da esquadra foi aberto e Ricardo e Alberto Flores foram arrastados para fora. Enquanto as pessoas mantinham os seus telefones no ar para filmar, os homens foram empurrados para o chão e depois para uns degraus, onde foram espancados violentamente. A gasolina que tinha sido levada anteriormente para ali foi derramada por cima deles.”, contou à BBC.