A nacionalização da banca e outros contos

Não exercendo funções no setor desde Janeiro de 2008, escrevo com distanciamento suficiente para relativizar factos, pessoas e condutas. Se é que se consegue ser neutral após 35 anos de vivência plena e intensa. Em 1973, assentei praça no Banco da Agricultura, passando depois pelo Montepio e CGD, até chegar ao BCP, no momento da…

Não exercendo funções no setor desde Janeiro de 2008, escrevo com distanciamento suficiente para relativizar factos, pessoas e condutas. Se é que se consegue ser neutral após 35 anos de vivência plena e intensa.

Em 1973, assentei praça no Banco da Agricultura, passando depois pelo Montepio e CGD, até chegar ao BCP, no momento da sua fundação. Num percurso pela banca privada, cooperativa, pública e, de novo, privada, habituei-me a contar com a dedicação daquelas pessoas de quem se diz ‘fazerem a diferença’, as que honram o código da sua profissão em tudo o que fazem. Se o leitor vê aqui uma homenagem aos bons profissionais da banca… está a ler bem. 

Quem continua a condenar as nacionalizações de 1975 – também eu as critiquei na altura… – não percebeu até que ponto a decisão foi crucial para proteger o país da anarquia reinante. Na rua, as hordas comunistas gritavam «a banca é do povo», mas em Moscovo a notícia foi recebida com desagrado: é que já não seria possível aplicar aos bancos portugueses a receita para os domesticar, como acontecera nos países sob o jugo soviético. 

Na noite de 11 de março, depois da metralha no Ralis, Silva Lopes terá dito a Melo Antunes: «Ou nacionaliza agora, ou não terá outra oportunidade». Jacinto Nunes, insuspeito de simpatias esquerdistas, apoiou a decisão, porque também ele sabia que os ventos dominantes só fariam alastrar as chamas da destruição, que já iam altas.

Assim, a banca nacionalizada acabou por afirmar-se como o ‘muro de suporte’ de uma economia em deslizamento constante. Quando, em 1989, arrancaram as privatizações, os bancos estavam a necessitar de cuidados intensivos e o ‘mercado’ foi o remédio mais eficaz. Em todo o caso, o país ficou a dever à nacionalização, e à dedicação dos bancários, a modernização de um setor da economia que, em 1975, estava mais doente do que poderia imaginar-se. 

Foi a existência de ‘um dono’ que viabilizou a reestruturação do sistema financeiro, com as fusões e a criação de entidades setoriais – Parempresa, Finangeste, SIBS, Unicre, Instituto de Formação Bancária – que mostraram ser centros de excelência, copiados em países com economias mais avançadas. Mas não consta que esse ‘dono’, ou algum dos seus capatazes, se tivesse atrevido a alguma tentativa de instrumentalização. Nem isso lhes seria admitido por pessoas que, mesmo quando próximas dos partidos do Governo, deram provas de uma independência a toda a prova, e de uma integridade acima de quaisquer dúvidas. 

O percurso foi limpo? Não foi! Foi pejado de dificuldades, pontuado aqui e além por cenas tristes, protagonizadas pelos ratos que costumam sair dos esgotos das revoluções: os ‘convertidos’, que mostravam a valentia exibindo braçadeiras vermelhas, fazendo piquetes e saneando chefes e colegas.

Pena a pintura ter sido borrada na hora de estabelecer as indemnizações. Aí o mérito das nacionalizações foi atraiçoado – e o que sobrou foi a ruína para milhares de famílias. Mas esses são outros contos…