Clima. Da euforia à descrença mundial

A COP24 começou domingo e deverá ficar marcada por divisões e falta de vontade no combate às alterações climáticas

Já lá vai o tempo em que o entusiasmo pela luta contra as alterações climáticas se fazia sentir entre os líderes mundiais. Hoje, a aliança entre países desenvolvidos e em desenvolvimento parece não ser mais que um eco do passado recente. Os Estados Unidos querem sair do Acordo Climático de Paris; o Brasil do presidente eleito Jair Bolsonaro não descarta abandoná-lo; a China tenta, quase isolada entre os líderes mundiais, pressionar para que se respeite o acordado em Paris há três anos; e a Alemanha já afastou a hipótese de se avançar com medidas mais ousadas para salvar o planeta do aumento das temperaturas. A mudança da situação geopolítica, com o choque entre os EUA e a China em destaque, relegou para segundo ou terceiro planos o combate aos gases de efeito de estufa. E, a par e passo com a ascensão dos nacionalismos, o discurso negacionista das alterações climáticas ganha força contra todas as evidências científicas

«Temos um mundo mais polarizado. Temos mais e mais abordagens nacionalistas a tornarem-se populares e a ganharem eleições ou a obterem grandes resultados eleitorais», disse António Guterres, secretário-geral da ONU, em entrevista à BBC. Abordagens nacionalistas que fizeram, continua Guterres, com que num «assunto global» como o das alterações climáticas o mundo «esteja a falhar». A «vontade política é hoje, infelizmente, não tão grande como deveria ser», lamenta o secretário-geral da ONU.

Há três anos que as divergências se vêm acumulando, mas, agora, poderão ser mais que visíveis na Conferência sobre Alterações Climáticas das Nações Unidas (COP24), em Katowice, Polónia, que começou este domingo e termina a 14 de dezembro. Com representantes de quase 200 países e de várias organizações não governamentais – impedidas de se manifestarem nas ruas polacas por o Parlamento ter aprovado uma lei que os proíbe -, o evento tem o objetivo de delinear um «livro de regras» para se atingir a meta máxima de  2ºC até ao final do século, acordada em Paris. Mais de 30 mil pessoas participarão no evento, o que representa 10% da população da cidade polaca de 300 mil pessoas. 

«Apenas com um milagre podemos atingir o sucesso», disse o  vice-ministro polaco para a Energia, Michal Kurtyka, em outubro. Também João Camargo, autor do livro Manual de Combate às Alterações Climáticas, em declarações ao SOL, tem poucas esperanças: «Estamos muito longe de termos um acordo satisfatório por falta de ambição». Opinião partilhada por João Branco, presidente da Quercus, que considera que «apesar das cimeiras, do Acordo de Paris e das declarações de intenções de alguns Governos, a situação não se está a inverter» no que ao consumo de petróleo diz respeito. Bem pelo contrário, está a aumentar, prevendo-se ultrapassar o consumo de 100 milhões de barris por dia. 

No início deste mês,  Kurtyka explicou que as dificuldades em se chegar a um compromisso se deve ao facto de a «situação geopolítica em 2015 ter facilitado a discussão de um acordo global», algo que hoje não acontece.

O conflito entre a Ucrânia e NATO e a Rússia, o fosso aberto entre a Europa e os Estados Unidos desde a eleição de Trump e a guerra comercial entre Washington e Pequim são alguns dos obstáculos que impedem a hipótese de se chegar a um consenso. Além dos conflitos, vários Estados veem-se a braços com crises internas, como é o caso do Reino Unido com o Brexit ou da chanceler alemã Angela Merkel, de saída da liderança do seu partido. O clima, esse, fica em segundo ou terceiro planos na visão estratégica dos Governos. 

Há ainda quem tente ativamente boicotar ou usar as negociações climáticas como arma de arremesso para ganhar vantagens noutros  campos de batalha. É o caso de Washington. Mantêm um assento na mesa das negociações da conferência até poder formalmente sair do Acordo de Paris em novembro de 2020 e espera-se, explica a Reuters, que use a sua participação para acumular munições contra Pequim no âmbito da guerra comercial. Além disso, Washington avançou ainda com a organização de uma conferência paralela de promoção de combustíveis fósseis e energia nuclear, repetindo uma jogada que no ano anterior enfureceu os ativistas ambientais. 

Porém, não é apenas na política que a conferência se vê fragilizada, mas também no simbolismo. Katowice é uma das regiões mais poluentes da Europa e o facto da conferência estar a ser patrocinada por uma das principais empresas de carvão do país também não augura nada de bom. Se o panorama já não era favorável, ficou ainda pior quando o ministro da Energia polaco, Grzegorz Tobiszowski, anunciou, na semana passada, a intenção do Governo em explorar mais uma mina de carvão no sul do país. «Estamos a planear investir no próximo ano na construção de uma nova mina de carvão na Silésia», anunciou. «A Polónia precisa de carvão: ou será nosso ou estrangeiro». A indústria energética polaca é fortemente dependente do carvão, o combustíveis fóssil mais barato no mercado mundial, vendo-se obrigada a importá-lo da Rússia para suprir as necessidades. O governo já anunciou ainda que não abdicará do carvão até 2050. 

Um recente relatório do Painel Internacional para as Alterações Climáticas reafirmou que o planeta está a ficar sem tempo para manter a subida da temperatura média nos 1,5ºC. Caso nada seja feito, diz a Organização Mundial de Meteorologia das Nações Unidas, as temperaturas poderão subir 3 a 5ºC até ao final do século. Também se soube que as emissões de carbono para a atmosfera voltaram a subir pela primeira vez em quatro anos, contrariando o acordado em Paris, segundo um relatório das Nações Unidas. Os investigadores responsabilizam o crescimento económico pela subida, enquanto nos anos anteriores as emissões desceram por a economia internacional ter passado por um período de mais fraco crescimento. 

Tempestades devastadoras, secas prolongadas, intensas vagas de calor e de frio, mudança das correntes, mega-incêndios, subida do nível do mar e degelo no Ártico e na Antártida são algumas das consequências da subida da temperatura, levando à destruição de ecossistemas e vidas humanas, com cada vez mais refugiados climáticos – condição ainda não reconhecida pelo Direito Internacional. Estamos «a entrar num período em que a reação do planeta, que até hoje era de contrariar o aumento da temperatura, muda e passa a ser de favorecer», explica João Camargo. «Há uma desaceleração das correntes do Atlântico e do Pacífico, ainda que numa fase preliminar», explica, razão para termos «muito mais tempestades tropicais» em «locais onde não era costume, como a Europa, e cheias no deserto da Arábia Saudita». 

«Não se pode resolver o problema das alterações climáticas e da crise ambiental em geral mantendo uma contradição principal entre a maneira como funciona a economia, e as teorias que a sustentam, e a própria física», refere Camargo, para quem é preciso uma «grande modificação da forma como produzimos e consumimos energia e produtos, bem como sobre a própria quantidade». João Branco não vê solução que não passe pela concertação de todos os Governos do mundo, afirmando que a realpolitik económica é um dos principais bloqueios para que algo mude na prática. «O problema é que a economia está sempre à frente das questões climáticas», disse.