‘Vamos levar o tempo que for preciso a negociar’

O Parlamento aprovou a inclusão de três vacinas no Programa Nacional de Vacinação. Presidente do Infarmed não estranha: ‘cada vez que há ano de eleições há uma vacina nova’.

A aprovação de três novas vacinas para o Programa Nacional de Vacinação (PNV) no debate do Orçamento do Estado marcou a semana: as famílias com filhos pequenos, que até aqui seguiam as recomendações dos médicos e vacinavam as crianças por sua conta, vão poupar centenas de euros; os especialistas criticam a ingerência política numa matéria técnica – a Direção Geral da Saúde, que tutela o PNV, não foi ouvida – e levantaram-se dúvidas sobre a influência das farmacêuticas nas iniciativas partidárias, com ex-ministros como Ana Jorge ou Correia de Campos a denunciarem pressões quando estavam no Governo. Para a presidente do Infarmed, o quadro não é muito diferente do que o que rodeou a inclusão de outras vacinas no PNV no passado: «Cada vez que há ano de eleições há uma vacina nova», diz mesmo Maria do Céu Machado, deixando desde já uma garantia: «Vamos levar o tempo que for preciso a negociar». 

Em causa está o preço das vacinas da meningite B e do rotavírus, que o Estado passará a comparticipar a 100% como acontece com as demais vacinas do PNV, alargando-se também a comparticipação da vacina do Vírus do Papiloma Humano (HPV na sigla em inglês) aos rapazes. Maria do Céu Machado explicou ao SOL que, aprovada a medida no OE2019, vão seguir-se os trâmites normais, com reuniões que vão envolver a Direção-Geral da Saúde, o Infarmed e os laboratórios. Sem avançar um prazo para que as vacinas gratuitas sejam uma realidade, por ser muito variável, a responsável admite que é algo que poderá levar alguns meses. Médica pediatra, Maria do Céu Machado diz que a inclusão destas vacinas no PNV pode até ser sensata e tem acontecido noutros países europeus, mas isso não dispensa que se sigam os passos de análise científica e técnica. 

Foi mesmo assim no passado? Embora até aqui houvesse sobretudo resoluções a recomendar a inclusão de vacinas no PNV, há pelo menos três vacinas na história recente que foram comparticipadas em anos de legislativas. É o caso da vacina da hepatite B, incluída no PNV em 1995. Em 2005 surgiu o anúncio de que a vacina da meningite C seria gratuita no ano seguinte. Mais recentemente, a vacina conjugada contra infeções por Streptococcus pneumoniae foi incluída no PNV em 2015. Até aí, as três doses da vacina custavam cerca de 200 euros, uma despesa não muito diferente da que as famílias têm atualmente com as vacinas da meningite B, rotavírus ou com a vacina do HPV para rapazes. 

Dado este historial, Maria do Céu Machado diz que o desfecho no Parlamento não a surpreende, mas recusa que as negociações do Estado com os laboratórios possam sair prejudicadas. Além das vacinas, os deputados aprovaram uma proposta do PEV para que, em 2019, seja garantida disponibilidade financeira para administrar um medicamento inovador a doentes com atrofia muscular espinhal em todos os hospitais do SNS. «Politicamente não se pode ultrapassar a competência técnica. Há pressão da população, dos pais, da indústria? Sim. Mas isso significa que não vamos fazer avaliação técnica? Impensável. Nós exigimos dos medicamentos qualidade, eficácia e segurança», diz a médica, sublinhando outra variável: «Temos de olhar para a responsabilidade do sistema de saúde: não podemos gastar todos os nossos recursos em determinadas patologias e depois não termos recursos para outras situações. Temos de ver as prioridades e tem de haver opções».

Da votação à polémica

Da Ordem dos Médicos à DGS, não faltaram críticas à decisão de legislar sobre a inclusão de vacinas no PNV. A diretora-geral da Saúde apontou para o risco de se estar a abrir um precedente num assunto que é do foro da prescrição médica. A ministra da Saúde, afirmou ter sido apanhada de surpresa. «Estamos a avaliar também o sentido em que a redação da norma em última instância vai sair», disse Marta Temido. 

Da parte da indústria farmacêutica, a resposta ao «ruído gerado» chegou sexta-feira. Em comunicado, a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica recusa qualquer insinuação de exercer pressão junto da Assembleia República para a inclusão de vacinas no PNV. «Somos completamente alheios a qualquer iniciativa legislativa que os senhores deputados entenderam tomar sobre esta matéria», garante a Apifarma.