Procriação Medicamente Assistida. Filhos vão poder conhecer identidade dos dadores

Alterações à lei aprovadas

Os projetos de lei sobre procriação medicamente assistida (PMA), que estiveram ontem à tarde em discussão no parlamento, foram aprovados pelos deputados, baixando à Comissão de Saúde. Embora os trabalhos ainda não estejam concluídos, começa a desenhar-se um novo capítulo na história dos tratamentos de fertilidade no país.

Na prática, a aprovação dos projetos de lei do BE, PS, PSD, PCP e PAN significa que os dadores que fizeram uma dádiva de embriões, óvulos ou esperma antes do acórdão do Tribunal Constitucional, publicado em 24 de abril, têm o seu anonimato assegurado, como ditava na altura a lei. Por outro lado, aos dadores que a partir daí tenham feito dádivas e a todos os que venham a fazê-lo no futuro, a lei permitirá que um dia possam ser abordados por crianças fruto de tratamentos de procriação assistida – isto porque os filhos de tratamentos de PMA passarão a poder ter acesso à identidade civil dos dadores a partir dos 16 anos de idade, uma informação que deverá ser solicitada ao Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida. 

A discussão, que se prolongou por mais de duas horas, ficou marcada por críticas de várias bancadas parlamentares ao CDS-PP. O partido levou à discussão um projeto de resolução que requeria o aumento dos ciclos de tratamentos de procriação medicamente assistida comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), uma proposta que, no entendimento de alguns deputados, passava ao lado da atualidade, por nada resolver em relação aos casais que desde o verão viram as suas perspetivas de serem pais anuladas por um acórdão do Tribunal Constitucional. Recorde-se que o acórdão em causa, suscitado por um pedido de fiscalização de deputados do CDS e do PSD, levou à suspensão dos procedimentos de procriação medicamente assistida nos casos em que os dadores não aceitaram perder o direito ao anonimato e naqueles em que não foi possível contactar os dadores para lhes dar conta do novo panorama ditado pelo acórdão do TC.

O CDS-PP acabou por ver a sua proposta chumbada, depois de ter dito não aos projetos das restantes bancadas parlamentares. Mas a discussão não ficou por aqui. 

Seguiu-se o tema das chamadas barrigas de aluguer, que também fora chumbado pelo TC. A votos, o BE levava um projeto de lei relativo à gestação de substituição mas, adivinhando rejeição por parte do PSD e do CDS-PP, pediu que o documento baixasse diretamente à especialidade, para discussão na comissão de saúde, sem passar pela votação na generalidade. Por isso, pelo menos durante 45 dias nada será decidido quanto a essa matéria. 

A proposta do BE vai ao encontro das preocupações suscitadas pelo TC, possibilitando à gestante que se arrependa e decida ficar com o bebé até ao momento do registo civil. No documento, o BE debruça-se também sobre os critérios de nulidade do contrato entre beneficiários e gestante e as condições a constar no acordo.

 

Menos dadores

Contactada pelo i antes da discussão no parlamento, a diretora do serviço de Medicina de Reprodução do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Teresa Almeida Santos, admite que a alteração no anonimato poderá fazer com que haja menos dadores disponíveis no futuro, mas não deverá demover os pais. “Estou convicta de que a grande maioria das pessoas que recorria a gâmetas doados vai continuar a recorrer, independentemente da garantia do anonimato ou não. Não serão todos, mas a maioria sim”.

Para a especialista, presidente da Sociedade Portuguesa da Medicina da Reprodução, em relação aos dadores é de esperar que a resposta seja idêntica à de outros países que seguiram o mesmo caminho, como é o caso do Reino Unido, Austrália ou Suécia. “Naturalmente, vai haver menos dadores, pelo menos numa fase inicial, que foi o que aconteceu também nos outros países. Contudo, na minha experiência no CHUC, os dadores que temos em processo de dádiva e aqueles que já doaram e a quem dissemos que neste período transitório poderia não estar assegurado o anonimato, todos optaram por manter as dádivas”, explicou ao i Teresa Almeida Santos. 

A decisão de recorrer a um dador, quando é tomada pelos futuros pais, já foi muito refletida, “a par de acompanhamento psicológico”, disse a obstetra. Por isso, na sua visão, o facto de “a pessoa poder vir a conhecer a identidade civil do dador não demove os pais dessa ideia, até porque a vontade é muito forte”. Além disso, conhecer esta história será sempre um primeiro passo da família, lembra Teresa Almeida Santos. Em última instância, a pessoa só irá conhecer a identidade civil do dador se os pais revelarem que é fruto de uma doação.