A utopia francesa e o forrobodó lusitano

Os deputados manhosos bem podiam entrar no Parlamento com orelhas de burro

Os protestos de Paris vieram pôr a nu a fragilidade das democracias europeias e poderão conduzir a Europa a um caminho sem saída. Supostamente, não há nenhuma organização por detrás das manifestações, mas a caldeirada que se cozinha nas ruas da capital francesa incluem grupos com interesses e visões completamente antagónicas da vida. As exigências dos franceses e demais habitantes do país obrigam-nos a pensar na pequenez que é Portugal. Senão vejamos: os coletes amarelos exigem pensões mínimas de 1200 euros – se olharmos para Portugal não sabemos se havemos de rir ou chorar –; salário mínimo de 1300 (por cá ainda discutimos os 600…); proibir a construção de hipermercados para defender o pequeno comércio; proibir a deslocalização de fábricas; a nacionalização dos setores do gás e da eletricidade; e, indo mais longe, deitar abaixo o governo e, presumo, encontrarem uma nova forma de poder.

Não é preciso ser um génio para perceber que a França caminha alegremente para o abismo e este fim de semana irá, muito provavelmente, dar um passo em frente. Os franceses ainda não perceberam que o mundo mudou e que na era da globalização é impossível querer combater contra gigantes como a China e os EUA com tantas medidas protecionistas. Não perceberam que o segredo está na divisão dos lucros nas empresas rentáveis; que é impossível querer a reforma aos 60 anos, e em muitos casos aos 55, quando a esperança de vida nos países desenvolvidos já ultrapassa os 80 anos. O caos que os manifestantes do colete amarelo querem impor à França poderá alargar-se a outros países europeus, abrindo as portas a ditaduras, sejam elas de esquerda ou de direita.

É estranho ver um país que sempre teve no luxo a sua imagem de marca, apostar na destruição da riqueza, quando se sabe que o caminho traçado pelos contestatários só vai levar á miséria.

Seria pois do mais elementar bom senso que os governantes portugueses pusessem os olhos no que se passa em França. Podiam, para isso, começar a olhar para o forrobodó que vai na Assembleia da República. Se os franceses se manifestam contra a subida do imposto nos combustíveis, o que dizer de Portugal? Esquecendo a vergonha dos impostos da gasolina e do gasóleo, como é possível haver ainda 230 deputados que não têm vergonha na cara em irem para o Parlamento? Depois da auditoria do Tribunal de Contas, que pôs a nu os subsídios encapotados (com os das viagens das regiões autónomas à cabeça), as presenças-fantasma e, pasme-se, até um terceiro seguro de saúde ilegal, seria de esperar que Ferro Rodrigues obrigasse os deputados sem vergonha na cara a aparecerem no_Parlamento com orelhas de burro.

Quando a dita casa da democracia abusa de mais de três milhões de euros em viagens duvidosas, o que se poderá esperar do comum dos mortais que se debate com problemas muito mais graves do que os ditos deputados? Que não copie esses exemplos reles? Que não siga na sua vida o baixo nível de alguns deputados que se ofendem uns aos outros?

Olhando para a miséria lusitana facilmente se percebe que os portugueses têm muito mais razões para protestar do que os franceses, mas ainda bem que não transformam as ruas num campo de batalha onde só os extremistas podem vencer. Mas depois não se admirem com o crescimento dos movimentos de extrema-direita ou extrema-esquerda.

vitor.rainho@sol.pt