Fui eu que percebi mal?

O juiz Carlos Alexandre é alvo de um processo disciplinar por declarações à RTP sobre o sorteio que pôs a Operação Marquês nas mãos de Ivo Rosa. Segundo o Conselho Superior da Magistratura, o juiz terá feito declarações suscetíveis de pôr em causa a seriedade do sorteio. Ora, eu não vi nada disso. Vi o…

O juiz Carlos Alexandre é alvo de um processo disciplinar por declarações à RTP sobre o sorteio que pôs a Operação Marquês nas mãos de Ivo Rosa.

Segundo o Conselho Superior da Magistratura, o juiz terá feito declarações suscetíveis de pôr em causa a seriedade do sorteio.

Ora, eu não vi nada disso.

Vi o juiz dizer que, no sorteio que distribui os processos, é introduzido um fator de ponderação relativo ao número de processos que os juízes têm em mãos; assim, é maior a probabilidade de um novo processo ser entregue ao juiz que tem menos processos atribuídos.

Ora, dizer isto não é nenhuma insinuação – é uma afirmação concreta.

Ou existe esse fator de ponderação ou não existe; se existe, deve ser publicitado, para as pessoas saberem como funcionam os sorteios; se não existe, o juiz mentiu e deve ser punido.

Tão simples como isto.

Mas, para o apurar, não era preciso nenhum processo disciplinar.

Não há nada a interpretar.

Ou é ou não é.

O levantamento do processo a Carlos Alexandre coincidiu no tempo com uma decisão do Tribunal da Relação que anulou uma decisão do juiz Ivo Rosa, que libertava da acusação de práticas terroristas um arguido com fortes suspeitas de ligações ao Daesh.

Esta decisão da Relação foi péssima para o juiz.

É sempre mau um juiz ver uma decisão sua posta em causa, ainda por cima de um modo arrasador.

Mas esta foi especialmente má, pois vem confirmar a tendência atribuída a Ivo Rosa para se agarrar a questões formais em prejuízo das questões substanciais.

Ora a Justiça tem formalismos que devem ser respeitados – mas a sua função última é ser justa, isto é, é julgar os casos de acordo com a substância e não com a forma.

No limite, teríamos de soltar um assassino confesso por não ter sido, por exemplo, notificado da acusação em tempo útil…

Os formalismos existem para julgar melhor e não para adulterar a aplicação da Justiça. 

Esta tendência do juiz Ivo Rosa, para lá de levantar outros problemas, está a lançar fundadas dúvidas sobre o futuro da Operação Marquês.

Há já muita gente a temer que, com a sua vocação ‘desculpabilizante’, Ivo Rosa não vá levar José Sócrates a tribunal, agarrando-se a formalismos sem grande importância. 

E isto, só por si, coloca o seguinte cenário indesejável: se Sócrates não for a julgamento, toda a gente continuará a pensar que é culpado e apenas se safou porque o juiz foi permissivo; mas se a acusação a Sócrates for mesmo para a frente, ficará a impressão de que o juiz se sentiu condicionado pela ideia que existe sobre ele – e quis contrariá-la.   

Ou seja: qualquer que seja a decisão de Ivo Rosa sobre José Sócrates, ela levantará sempre dúvidas.

O juiz será preso por ter cão e preso por não ter.

E nada pior para um processo do que esta incerteza.

Todos estes problemas que vão surgindo tendem a descredibilizar a Justiça.

Há já demasiada gente a desconfiar dela.

É lenta, arrasta-se, permite demasiados expedientes aos arguidos para atrasarem os processos, há excessivas fugas de informação.

A lentidão da Justiça cria uma sensação de impunidade – enquanto o pau vai e vem folgam as costas… – que, em vez de dissuadir o crime, o estimula.

O que se passa em relação aos crimes de colarinho branco, por exemplo, é um escândalo: uma burla cometida hoje só levará o seu autor à cadeia (se for condenado) lá para o ano de 2027, na melhor (ou pior…) das hipóteses..  

Ora, com o aumento da criminalidade económica, isto é insustentável.

Faz de Portugal um paraíso. 

Armando Vara parece finalmente ir cumprir pena, nove anos depois de ter sido indiciado.

Mas o que dizer de Oliveira Costa, João Rendeiro, José Penedos, Ricardo Salgado, José Sócrates, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, etc., cujos processos nem se sabe em que fase estão? 

E a par dos grandes processos urge, também, acabar com a impunidade no pequeno crime.

Prender os carteiristas para os soltar logo a seguir – e, meia hora depois, eles já andarem de novo na rua a roubar carteiras -, é um insulto à autoridade do Estado.

Cria uma ideia de laxismo, de uma sociedade onde se pode fazer tudo – o que, além de dar uma péssima imagem do país e afugentar os turistas, funciona como um convite à vinda para Portugal de cada vez mais carteiristas. 

Ser implacável no combate ao pequeno crime, ser rápido e eficaz a julgar o crime económico, são fatores decisivos para o Estado afirmar a sua autoridade.

Caso isso não aconteça, a situação tenderá sempre a piorar.

Ora, posições como a do juiz Ivo Rosa – por muito razoáveis que formalmente sejam – contribuem objetivamente para acentuar a sensação de impunidade.

A ideia de que é possível praticar crimes e não ser condenado. 

E é desta ideia que também se alimentam os populismos.

Veja-se o Brasil.