As democracias estão em perigo

Os acontecimentos de Paris mostraram a fragilidade do Estado

Este artigo já estava pensado antes dos graves acontecimentos em Paris provocados pelos chamados ‘coletes amarelos’ – que, no entanto, só reforçaram o que planeava escrever. 

As democracias europeias estão em risco porque deixaram de poder corresponder às expectativas das pessoas. 

De facto, os regimes democráticos que se instalaram na Europa depois da Segunda Guerra Mundial tinham um ‘argumento’ de peso a suportá-los: o crescimento económico constante, que permitia às pessoas viverem melhor de geração para geração.

Os filhos viviam invariavelmente melhor do que os pais.

Os salários aumentavam com regularidade e os benefícios sociais também: escola gratuita, saúde gratuita, férias pagas, 13.º e 14.º meses, 8 horas de trabalho diário, pagamento de horas extraordinárias, etc., etc. 

Assim, as palavras ‘democracia’ e ‘bem-estar’ tornaram-se praticamente sinónimos.

A classe média – que é sempre o suporte das democracias – foi engrossando e engordando.

Mas a galinha dos ovos de ouro envelheceu.

O crescimento abrandou e começou a ser cada vez menor.

E hoje a expectativa é a contrária: a cada ano que passa, as pessoas não esperam viver melhor mas pior.

E os filhos vivem com mais dificuldades do que os pais.

A economia não gera o suficiente para aguentar os benefícios sociais instituídos na segunda metade do século XX, e os governos vêem-se confrontados com um complicado dilema: ou cortam no Estado Social ou aumentam os impostos.

Conservar o Estado Social tal como está e manter o nível fiscal é cada vez mais difícil.

Mesmo governos de esquerda, como o nosso, precisam de fazer cativações e cortes drásticos nos serviços públicos, reduzindo o investimento quase a zero.

A democracia deixou de estar identificada com o crescente bem-estar e passou a ser sinónimo de problemas e dificuldades.

A classe média, que engordou durante décadas, está hoje asfixiada em impostos e queixa-se.

Neste pano de fundo, começam a surgir outros problemas. 

Um é a falta de autoridade que se sente em certos países, em que o Estado central começa a ter dificuldade em manter a ordem.

Veja-se a Grécia, veja-se a Espanha e o independentismo na Catalunha, veja-se o ambiente pré-insurreccional que se viveu em Portugal no tempo da troika, veja-se agora a França.

O que sucedeu em França, com o Governo a recuar sem condições perante os tumultos, é verdadeiramente inimaginável – e é bem a imagem da fraqueza do Estado. 

Outro problema complicadíssimo são os migrantes.

De boas intenções está o inferno cheio.

Os líderes dos principais partidos não conseguiram ser firmes relativamente à imigração – e hoje há nações da Europa (França, Inglaterra, Bélgica, Suécia, Holanda…) onde existem bairros inteiros em que os naturais do país já não entram.

Há países em que os que lá nasceram começam a sentir-se intrusos.

Ora, neste contexto, é natural que a chegada de novos contingentes de imigrantes seja vista como uma ameaça. 

Até porque os imigrantes de segunda geração participam com frequência em movimentos de contestação ou ações de caráter violento. 

O politicamente correto também tem o seu quinhão de responsabilidade no enfraquecimento das democracias.

A pressão de minorias sobre a maioria, impondo uma ditadura do pensamento, gera um progressivo mal-estar na sociedade. 

O feminismo radical, a indiferenciação dos sexos, a propaganda da homossexualidade, movimentos como o #metoo, a par da proliferação das drogas e da decadência da família, contribuem para a confusão e ofendem os setores conservadores. 

As posições políticas tendem a extremar-se, com o desaparecimento do centro político. 

A maioria silenciosa nunca se revolta – mas vai-se fartando e começa a ansiar por soluções musculadas.

Finalmente, as desigualdades.   Enquanto todos melhoravam a vida de ano para o ano, as pessoas não valorizavam muito as desigualdades.

Viam outras enriquecer, mas pensavam: hoje é ele, amanhã serei eu. 

Mas quando as pessoas se veem com os rendimentos estagnados, ou até a perder rendimentos, a reação já não é a mesma.

Quando veem a sua vida marcar passo e olham para o lado e veem outros a enriquecer e viver na abundância, aí começam a revoltar-se.

‘Então a crise só existe para mim? Para aqueles não há crise?’.

Acrescente-se a tudo isto o declínio das religiões, que levou a uma quebra dos valores espirituais e à sobrevalorização dos fatores materiais: ordenado, regalias sociais, direito  a isto e àquilo.

Ora, como a democracia deixou de poder distribuir bem-estar, a pressão aumenta. 

Muita gente começa a dar ouvidos a quem promete menos impostos, mais ordem, menos permissividade com os desordeiros ou com as minorias radicais, mais firmeza perante a imigração. 

Dois dos maiores países do mundo, Rússia e China, têm governos autoritários, a América está num momento desconcertante, em vários países da Europa os partidos de extrema-direita conquistam posições de dia para dia.

As democracias estão cercadas.