Uma política de cidade para todos*…

«Tornar as cidades e seus assentamentos humanos mais inclusivos, resilientes e sustentáveis».                                                                  (Agenda Urbana, Quito, 2030, Objetivo 11º, 2018)

No Porto, o governo da cidade prepara a revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) para os próximos 10 a 20 anos. Significa que estamos novamente a construir um programa, um mapa e um projeto de cidade a partir de uma estratégia e de um pensamento político. Uma estratégia para o futuro da cidade do Porto que deve envolver todos os cidadãos na discussão e na procura das melhores soluções para se construir uma cidade justa, sustentável e qualificada. 

Planear cidades justas e sustentáveis implica definir um conjunto de políticas económicas sólidas e inovadoras, ou seja, ter a noção da importância: 

1. Da contenção do espaço urbano (que remete para a cidade metropolitana de um milhão de habitantes, dispersos e fragmentados); 

2. Da importância da densificação e da infraestruturação na malha urbana em espaço de transição; 

3. Uma legislação urbana para a governança das áreas metropolitanas, simplificando processos burocráticos e clarificando regras do jogo; 

4. Integrar o planeamento local na política urbana nacional de ordenamento de território (PNPOT); 

5. Desenhar esquemas de financiamento sustentável com enfoque social. 

Deseja-se um plano diretor municipal que integre uma visão de futuro, que seja capaz de antecipar e de projetar um tempo e um modo novo – que não é mais do que a incorporação da utopia desejada. 

A realização de um PDM deve integrar um conjunto diversificado de políticas locais que contribuam para a regulação das mais-valias associadas à renda do solo urbano, ter em conta os princípios de um planeamento de proximidade, ser capaz de incorporar o valor social urbano na arquitetura do plano. Fazer a captação de valor económico com o desenvolvimento orientado para a habitação e para a qualidade de vida, e desta forma orientar as mais-valias que beneficie a todos para pagar os direitos dos residentes.

O desenho da cidade deve definir em mapa, em relatório, em estratégia os usos, as funções, as tipologias e os acessos. Garantir o direito à cidade implica repensar as densidades, de forma a reduzir os custos da infraestrutura, da mobilidade, da integração social, da diversidade, do ambiente e da sustentabilidade económica. 

Por outro lado, aumentar os níveis de densidade significa promover o uso misto do solo urbano e dessa forma atrair mais ocupantes, criar um ambiente apelativo, possibilitar o aparecimento de serviços e infraestruturas públicas e serviços básicos, com uma qualidade significativa de desenho urbano que irá potenciar maior diversidade populacional e mistura sociocultural.

A habitação deve em qualquer plano afirmar os valores da coesão social. Perante uma crise generalizada de habitação nas freguesias centrais das nossas cidades, é imperativo reforçar as políticas do arrendamento urbano, diversificando e regulando a oferta e a procura num mercado fortemente especulativo. Fazendo uso de instrumentos legais e fiscais, quer a nível legislativo da Assembleia da República quer a nível da municipalidade, que promovam uma maior disponibilidade de casas a diferentes preços e rendas no mesmo quarteirão. Implica a execução de políticas inclusivas, redistributivas e equitativas, que garantam a equidade social no direito à habitação e ao lugar de residência.

Políticas que evitem os riscos da monofuncionalidade espacial e de usos; só assim é possível a (re)construção de uma cidade justa e plural – para o que é também necessário combinar princípios de planeamento com economia e finanças urbanas sólidas. As cidades devem criar mais rendimento a partir de impostos prediais e de impostos sobre as mais-valias que incidem no solo urbano (a chamada renda da terra) e, dessa forma, direcionar esses recursos para melhorar o alojamento de residentes e compensar os proprietários. 

As políticas urbanas devem incidir sobre uma governança local eficiente e politicamente transparente, ter um enquadramento legal simplificado e atuante, integrar a participação contínua na discussão da vida das pessoas na sua cidade. Promover uma maior racionalização e regulação dos grandes problemas da cidade – como, por exemplo, a gentrificação, que a explosão da atividade turística tem provocado, com uma subida dos preços por m2 para valores imorais e fortemente especulativos. Com consequências na subida dos arrendamentos para valores que ultrapassam o poder económico das famílias, dos idosos solitários e dos jovens estudantes que vivem ou querem viver na cidade.

Esta situação de emergência social remete-nos para a necessidade de implementarmos medidas para regular, para controlar e prevenir a massificação turística da cidade, de forma a evitarmos a expulsão e a deslocalização dos moradores, comerciantes e estudantes. 

A necessidade de se regularem os usos, as densidades e as cargas destinadas ao uso turístico, e desta forma equilibrar as relações entre direitos e deveres dos residentes e dos turistas. Acabar com a ideia de que o turismo é um ócio e não uma atividade industrial. No fundo, aquilo que se pretende para se (re)construir uma cidade justa é tributar e taxar a atividade turística enquanto atividade económica e industrial. 

* Este texto toma como referência a ‘Estratégia Tripartida’ de Marco Kamiya, Serge Salat e Loeiz Bourdic editado em Portugal Por Uma Estratégia de Cidade Sustentável. Expansão Urbana planeada, quadro legal e financiamento autárquico, Porto: Afrontamento (Fernando Matos Rodrigues, M. Carlos Silva, A. Cerejeira Fontes, Coord. Editorial Portuguesa).

 

1 Antropólogo. Investigador no CICS.Nova_UM/ Diretor do LAHB.

2 ONU-Habitat. Diretor Executivo.