As greves no sapatinho…

O Governo ‘desvaloriza’ os descontentamentos e a importância das greves, como se não estivesse a acontecer nada, os comentadores agenciados nas televisões fazem outro tanto, enquanto milhares de pessoas esperam e desesperam nos corredores dos hospitais públicos

Há um traço comum na grande maioria das greves em curso ou anunciadas: pertencem ao setor público. E esse facto implica, por si só, uma reflexão e uma estranheza. O funcionalismo, ao contrário do privado, não corre o risco de desemprego, tem regalias incomuns na saúde e na assistência à família, e uma remuneração média superior à que é paga nas empresas em categorias profissionais equivalentes. 

Quando se aposentam, recebem, também em média, mais do que um reformado pela Segurança Social, e conservam regalias que não existem para os privados.

Se este quadro é rigoroso – e pode comprovar-se -, como se explica a vaga de greves em curso ou anunciadas à beira do Natal e do Ano Novo? A lista é vasta. 

O JN rasgava em título de primeira página, não por acaso, que Greves da Função Pública duplicaram no Governo de Costa. E acrescentava: Só este ano houve 173 paralisações.

Este quadro reforça as perplexidades e não condiz com os pergaminhos de um Governo suportado por um frentismo de esquerda. 

O novo ciclo eleitoral que se aproxima é, naturalmente, propício às exigências do funcionalismo, que se expandiu e consolidou e que hoje representa, juntamente com os aposentados, um dos principais ‘ativos’ que o poder político explora para angariar votos. 

Por isso, o Governo ‘desvaloriza’ os descontentamentos e a importância das greves, como se não estivesse a acontecer nada, os comentadores agenciados nas televisões fazem outro tanto, enquanto milhares de pessoas esperam e desesperam nos corredores dos hospitais públicos, vítimas de um Serviço Nacional de Saúde em colapso, com milhares de cirurgias adiadas, muitas urgentes.

Apesar desse estado caótico, com demissões sucessivas nas equipas médicas, por falta de condições e risco para os doentes, a nova ministra da Saúde veio falar da Lei de Bases (cujo projeto alterou, sem dar cavaco à comissão que o elaborou, presidida por Maria de Belém), com uma pesporrência que não lhe ficou bem – «um misto de desprendimento com arrogância», na síntese certeira de um autarca socialista de Gaia.  

No último debate quinzenal, apertado pelas bancadas da direita, António Costa retomou a demagogia para empurrar a responsabilidade da greve dos enfermeiros para a órbita do PSD. Repetiu o que já dissera Carlos César na TSF. Foi feio.

Espera-se que, doravante, Costa e César identifiquem a orientação ideológica – ou filiação político-partidária – dos grevistas que se têm manifestado.  

Um exercício talvez monótono, já que a maioria das paralisações exibe a ‘marca’  da CGTP, o ‘braço sindical’  do PCP. Mas tornará o debate mais transparente. 

Habituado a não assumir nada que o incomode ou ponha em causa a sua declamada habilidade negocial, Costa perde as estribeiras quando é posto ao espelho e furta-se a reconhecer os erros que cometeu para agradar à esquerda, quando supostamente virou a «página da austeridade».

Ao reverter medidas de contenção orçamental adotadas pelo anterior Governo, e ao reduzir para 35 horas o regime de trabalho na Função Pública, Costa elevou a fasquia e criou expectativas infundadas. É, objetivamente, o primeiro responsável político pela turbulência criada nos hospitais e pela degradação dos serviços públicos. 

Para cativar a ‘clientela’ e não falhar a meta do défice, o Governo usou o ‘garrote’ das Finanças, através de dois expedientes complementares: as famigeradas ‘cativações’ e o aumento dos impostos indiretos. 

No meio das contradições, que minam a credibilidade dos atores políticos, Marcelo Rebelo de Sousa continua como ‘seguro de vida’ do Governo e ‘pronto-socorro’ sempre disponível, seja para se inteirar in loco do elétrico descarrilado na Lapa, seja a ‘cobrir’ as derrapagens do primeiro-ministro e a pôr ‘água na fervura’ da conflitualidade instalada com enfermeiros, guardas prisionais, bombeiros e afins.  

Claro que há outro país que raramente faz greve e que tem legitimidade para se interrogar sobre as motivações de tantos portugueses se mostrarem zangados com o ‘patrão Estado’.

É divertido, aliás, ouvir o sorridente António Costa repetir no Parlamento que «não podemos dar o passo maior do que a perna». Pois não. 

O pior é que foi precisamente ele quem prometeu a Lua, como se os cofres do Estado não tivessem fundo e os contribuintes pudessem continuar sujeitos a uma das mais altas taxas de fiscalidade da Europa, para alimentar o ‘monstro’  sempre a inchar. 

Se a direita tivesse um líder, Costa e a ‘geringonça’ tinham os dias contados. Infelizmente, Rui Rio parece mais interessado em viabilizar o controlo da Justiça, enquanto Freitas do Amaral, que esqueceu a direita, saiu em defesa de Ricardo Salgado. Sócrates e o ex-banqueiro decerto agradecem…