O ano que a Europa desperdiçou

Olhando em retrospetiva pelo ano de 2018, não consigo deixar de ficar com a sensação que este foi um ano crucial que a Europa conseguiu desperdiçar. O ano das grandes reformas europeias, da sintonia entre o eixo franco-alemão, da afirmação do continente enquanto resposta liberal aos ventos do autoritarismo que agora sopram de ambas as…

Olhando em retrospetiva pelo ano de 2018, não consigo deixar de ficar com a sensação que este foi um ano crucial que a Europa conseguiu desperdiçar. O ano das grandes reformas europeias, da sintonia entre o eixo franco-alemão, da afirmação do continente enquanto resposta liberal aos ventos do autoritarismo que agora sopram de ambas as direções… O medo venceu, e com ele o imobilismo gritante nas questões das uniões bancária e de capitais, entre outras. Seguimos num ciclo de perpétuo adiamento das grandes decisões. Perdeu-se uma grande oportunidade.

Sendo assim, é natural que regressem as mesmas questões em torno dos défices dos estados-membros do costume. Primeiro Itália com a sua pantomima populista e agora França em resposta a mais uma vaga de protestos anti-reforma. Voltamos ao mesmo jogo negocial em torno das atuais regras de convergência, por razões que visam apenas comprar tempo político. Estímulos fiscais sob forma de transferências que mais não serão que um balão de oxigénio temporário, nada fazendo para resolver os problemas de crescimento estrutural – estes sim que estão na base do acumular de descontentamento dos eleitorados. É certo que no caso de Macron foram postas em prática algumas reformas internas que poderão dinamizar o mercado laboral francês de forma semelhante ao que as reformas Hartz fizeram na Alemanha, porém esse trabalho poderá vir a tornar-se uma vitória pírrica caso debilite o capital político do mais vibrante defensor da reforma da zona euro.

Estava largamente sinalizado que 2018 seria o último ano em que coincidiriam o estímulo monetário e o ciclo de expansão económico, por outras palavras, a conjuntura mais favorável para edificar mudanças relevantes na estrutura europeia. No topo desta lista estariam sem dúvida mecanismos que ajudassem a amenizar o virar do ciclo económico, nomeadamente os há muito anunciados fundo de garantia de depósitos pan-europeu – parte da ainda incompleta união bancária – e união de mercados de capitais. Estes elementos formariam defesas importantes para contrariar a fuga de capitais dos países mais frágeis durante o início de uma próxima crise, isto porque os mecanismos que foram instituídos pós-Grande Crise Financeira apenas começam a operar em fases mais avançadas da recessão, quando os países se vêem em dificuldades de obter financiamento pelas vias normais. A distância temporal que existe entre estes dois pontos anatómicos de uma hipotética crise traduz-se em impactos económicos relevantes para as populações, ou seja, um vácuo de suporte que jogará a favor das ideologias extremistas que cada vez mais parasitam estas ineficiências institucionais e as frustrações que elas provocam.

Perdeu-se um ano chave para transformar a Zona Euro numa real união monetária, indo para além da realidade inerte de hoje que mais parece um sistema de vários câmbios fixos em que os respetivos países por acaso coincidiram no nome que chamam à sua moeda. No imediato será normal que haja algum alívio a vir de Itália e de um possível adiamento do Brexit, mas a próxima recessão poderá estar já ao virar da esquina e se tal se confirmar restará aos otimistas a fé de acreditar na velha máxima de que a Europa seja forjada pela soma das suas crises.

*Gestor fundomacro no BIG – Banco de Investimento Global