O papão da extrema-direita

Os menos jovens recordam-se, certamente, do chefe do governo revolucionário constituído escassos meses após a abrilada, de seu nome Vasco Gonçalves, vociferar que quem não era pela revolução era pela reacção. Não havia meio termo: todos quantos se opunham aos excessos cometidos pelos comunistas e seus acólitos, que tomaram de assalto o poder emergente com…

Os menos jovens recordam-se, certamente, do chefe do governo revolucionário constituído escassos meses após a abrilada, de seu nome Vasco Gonçalves, vociferar que quem não era pela revolução era pela reacção.

Não havia meio termo: todos quantos se opunham aos excessos cometidos pelos comunistas e seus acólitos, que tomaram de assalto o poder emergente com o golpe de estado de 74, eram perseguidos como perigosos fascistas, acabando saneados dos seus empregos e muitos enjaulados nas prisões políticas edificadas pelo novo regime.

Foram precisos diversos anos para que este estigma fosse atenuado, percebendo-se que em democracia todos têm direito a expressar as suas ideias, e bater-se por elas, mesmo que estas sigam em sentido contrário às professadas por uma suposta maioria.

Nos últimos tempos, em particular desde que os derrotados do período revolucionário reconquistaram posições junto do poder político, vem-se assistindo a uma nova investida contra todos quantos não se revêem no status quo vigente, sendo catalogados como extremistas de direita e, como consequência, condenados a proscritos pelos guardiões do regime, a quem os titulares dos vários órgãos estatais prestam vassalagem.

Quem denuncia uma classe política corrupta, medíocre e vendida a interesses que vão contra o desígnio nacional, é logo acusado de ser da extrema-direita e populista.

Quem denuncia a degradação sistemática dos valores morais ancestrais que estiveram na génese da civilização que herdámos, é logo acusado de ser da extrema-direita e fascista.

Quem denuncia os perigos para a vivência da nossa sociedade com a forçada integração de quem a odeia e achincalha e se revolta contra os princípios que sempre a nortearam, é logo acusado de ser da extrema-direita, racista e xenófobo.

Quem denuncia o excessivo protagonismo de minorias ruidosas, cujo comportamento em nada se identifica com a forma de estar da esmagadora maioria, é logo acusado de ser da extrema-direita, homofóbico e misógino.

O rótulo de extrema-direita serve, assim, para encurralar quem não se conforma com o rumo a que fracos políticos conduzem Portugal, cuja imagem de marca actual se caracteriza pelos miseráveis salários pagos a quem tem de gerir um apertado orçamento familiar; pelas ridículas pensões atribuídas a quem dedicou uma vida inteira ao trabalho; pela exorbitante carga fiscal sacada aos contribuintes e cujo destino são os bolsos de quem se passeia às custas do erário; e pela péssima prestação de um serviço público que diariamente dá provas da deficiente qualidade no apoio às populações, principalmente em áreas fundamentais, como a saúde, a justiça, o ensino, a habitação e os transportes.

À imagem da revolta popular que recentemente estalou em França e que teve como epílogo a rendição do governo às principais exigências dos manifestantes que durante semanas tomaram conta das ruas parisienses, procurou-se ensaiar cá no burgo um movimento de características semelhantes, perspectiva que de imediato deixou a nossa pobre classe política nervosa e receosa do confronto que se avizinhava.

O governo, bem secundado pela obediente e tendenciosa imprensa, que se encarregou de fazer passar a mensagem, e pelas centrais sindicais afectas aos partidos da geringonça, e contando, para o efeito, com o beneplácito de Belém, seguiu então a estratégia de procurar desacreditar os organizadores do protesto, cujo único propósito   mais não visava do que pôr a nu a corrupção e o exagerado custo de vida, fatalidade que coloca os portugueses entre os mais pobres da Europa.

Durante dias a fio assistiu-se a uma campanha diária de lavagem ao cérebro dos portugueses, acenando-lhes com o papão da extrema-direita, a qual, alegadamente, estaria por detrás dos intitulados coletes amarelos.

Nunca se vira, na nossa história recente, tantos carrascos do Estado, entre ministros, deputados, dirigentes partidários, comentadores e outros quantos inúteis do sistema, preocuparem-se em público por causa duma simples manifestação, aproveitando-se das câmaras televisivas para   intimidarem quem se prontificava a sair à rua e a alertarem para os perigos de que a democracia supostamente estaria a enfrentar.

Até o inquilino de Belém embarcou nesta fobia colectiva, oferecendo-nos um espectáculo deprimente com o  seu patético gesto ao empoleirar-se num camião, procurando convencer o  respectivo camionista a não participar no movimento de protesto.

No dia da manifestação o Estado cobriu-se de ridículo, dispondo no terreno um efectivo policial em número bastante superior ao dos manifestantes, táctica nunca antes utilizada, mesmo perante ameaças à ordem pública bem mais reais da que aquela indiciava.

Perante este cenário a acção contestatária resultou num rotundo fracasso, desaire que deixou a cinzenta classe política a vangloriar-se da robustez da nossa democracia e a tecer rasgados elogios aos brandos costumes que caracterizam o povo português.

E, neste capítulo, há que lhe dar razão: somos mesmo um povo de brandos costumes!

É por sermos de brandos costumes que temos permitido, sem pestanejar, que os nossos governantes de entretenham a desbaratar os cofres do Estado em políticas ruinosas para a economia nacional, deixando-nos cada vez mais empobrecidos quando comparados com os outros povos com os quais nos identificamos.

É por sermos de brandos costumes que aceitamos, sem nos revoltarmos, que a corrupção mine todo o aparelho do Estado, no seio do qual grassa uma classe política que vai enriquecendo à custa de negociatas celebradas com o dinheiro dos contribuintes.

É por sermos de brandos costumes que nos conformamos, sem exteriorizarmos a nossa indignação, que nos sejam cobrados cada vez mais impostos, que nos consomem já praticamente metade do que ganhamos fruto do nosso trabalho, sem que o seu destino represente uma melhoria nos apoios sociais e nas estruturas que permitem uma acrescida mobilidade das populações.

É por sermos de brandos costumes que nos calamos quando somos saqueados por aqueles em quem confiámos a condução do nosso destino, insistindo numa escolha que já se revelou desastrosa para o interesse nacional e para o nosso em particular.

Por isso temos o que merecemos: somos pobres porque nos resignamos com essa condição.

Somos capazes de sair à rua e encher o Marquês de Pombal, sem dúvida. Mas quando o nosso clube se sagra campeão nacional de futebol!

Agora para exigirmos a remoção de uma classe política corrupta e incompetente, convenhamos que é pedir muito.