2019 vs Internet

É uma questão de tempo começarmos a ser substituídos em momentos e tarefas em que não queríamos ser substituídos.

Este é o último texto que escrevo este ano, uma circunstância que dita normalmente a opção por um de dois temas: o balanço do que se passou em 2018 ou uma antevisão do que está para vir em 2019. Escolho a segunda opção porque gosto mais de imaginar o que aí vem do que dissecar o que já passou. Mas parto para este exercício de futurologia alavancado num relatório da Ericsson Consumer Lab que sistematiza 10 grandes tendências que vão impactar a vida das pessoas desde já. 

É provável que estejamos a chegar ao ponto em que a tecnologia, não aquela que vemos nos filmes, mas a que trazemos no nosso bolso e usamos para aquecer o leite das crianças, nos conhece muito melhor do que nós a conhecemos a ela. A tecnologia tem cada vez mais capacidade para perceber um determinado estado anímico, por exemplo medir o nível de cansaço ou de excitação num determinado momento, entender a sua origem e interagir de acordo com essa informação. Facto curioso: já confiamos mais na inteligência artificial para confiar um segredo ou pedir um conselho sobre um seguro do que nos nossos amigos. 

E a ideia de um Tinder para escolher um assistente virtual? Por enquanto ainda é só um disparate, mas se pensarmos que 47% dos utilizadores acredita que diferentes assistentes dão respostas diferentes para a mesma situação e que 41% considera importante os casais reais terem assistentes virtuais compatíveis, em que ponto ficamos? Não estou preparado para um telefonema da minha mulher a dizer «traz pão e prepara-te porque a Siri e a Alexa pegaram-se outra vez, não se entendem sobre a melhor receita para o recheio do peru». Preparado ou não, o mais certo é que seja só uma questão de tempo.

A privacidade é outro aspeto que vamos continuar a discutir nos próximos tempos. Lembra-se da conversa que teve ontem com um amigo sobre o produto que hoje ainda não parou de aparecer em todos os sites em que navega? O telefone ouviu a conversa? Mais de metade das pessoas acha que os smartphones recolhem muito mais dados do que precisam sobre os seus utilizadores só para aumentarem receitas. Mas quem é que pensa nisso quando quer ler uma notícia ou ver um vídeo e a única coisa que o separa do conteúdo são duas páginas de aviso legal, escritas em letra miudinha, sobre o tipo de informação que autorizamos a cookie a recolher e o que pode fazer com ela?

Imaginemos num futuro próximo aquela aplicação que vai preencher a declaração de IRS por nós (sem divergências, claro), outra que ensina a reparar qualquer coisa em casa ou no carro (uns óculos de Realidade Aumentada com instruções sobre cada peça, que ferramenta usar e um vídeo tutorial que ensina como fazer). Tudo o que pudermos dispensar da nossa agenda diária, porque dá trabalho ou simplesmente porque não gostamos de fazer, pode vi a ser assegurado por uma máquina. 

Uma sociedade automatizada pode ter muitas vantagens e talvez seja a única solução para responder a um conjunto de desafios nas áreas da ecologia e educação. Não deixa de ser triste perceber que as máquinas que criámos e todos os dias aperfeiçoamos para nos facilitarem a vida nos venham a substituir e, de certa forma, envergonhar, por fazerem o que devíamos estar a fazer para o nosso bem. Creio que será uma questão de tempo até nos começarem a substituir em momentos ou tarefas em que não queremos ser substituídos. Certamente vamos ficar mais preguiçosos, talvez tenhamos necessidade de criar rotinas para exercitar o cérebro tal como vamos ao ginásio exercitar o corpo. Exercitar o cérebro é uma das tendências para o próximo ano.

Não acredito que 2019 seja um ano de profundas transformações. A forma como a tecnologia, nas suas muitas vertentes, condiciona a forma como nos relacionamos uns com os outros vai continuar a marcar a agenda das marcas, enquanto elemento da cadeia de valor mais recente, inconstante e à data com maior potencial transformador. 

Ainda tenho fresco na memória as aventuras do Ralph e da Vanellope, numa odisseia virtual para recuperar um volante que salvaria a máquina do Sugar Rush. No final salvam o jogo, mas a Vanellope prefere integrar outra aventura e fica a viver num jogo mais moderno, com muito mais possibilidades. É este o ponto. A inteligência artificial, os automatismos, a tecnologia estão gradualmente a tomar conta de nós e do que temos para fazer. E sendo inegavelmente mais sofisticados, não estou certo que nos ofereçam mais possibilidades e nos ajudem a descobrir novos caminhos sem dúvida mais cómodos e eficientes. Mas onde é que isso nos leva ninguém sabe, compete-nos apenas decidir se é por aqui que queremos ir.

A todos os leitores os meus votos de um excelente ano de 2019. 

*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media