«Deixei o meu coração no teu estendal»

Com votos de um excelente ano novo, apresento esta frase, que a Nazaré fotografou próximo de Alenquer, e que diz: «Deixei o coração no teu estendal». Trata-se de mais uma imagem pintada com stencil, arte que foi alvo de uma recolha em Portugal e publicação recente, por A. Garbo, para quem «Ainda existem pessoas que…

Com votos de um excelente ano novo, apresento esta frase, que a Nazaré fotografou próximo de Alenquer, e que diz: «Deixei o coração no teu estendal».

Trata-se de mais uma imagem pintada com stencil, arte que foi alvo de uma recolha em Portugal e publicação recente, por A. Garbo, para quem «Ainda existem pessoas que em vez de se resignarem com uma publicação online, escolhem dedicar algumas horas a criar os seus cartões, (…) para gravarem os seus pensamentos (…). Se isto não é especial, então o que será?». E acrescenta: «Para mim estes stencils são como uma mensagem encerrada numa garrafa e os seus autores os últimos românticos do mar». E, em minha opinião, Garbo tem razão. Estas mensagens são realmente especiais, são pontos de luz na paisagem urbana, que nos levam a parar e a refletir sobre o que os seus autores querem transmitir.

É o caso desta mensagem poética que nos diz que alguém deixou o seu coração pendurado no estendal daquele/daquela que ama. Partiu, mas deixou o seu coração suspenso, à espera de melhores dias, à espera que secasse e, assim, deixasse de sofrer. Como se tal fosse possível…

A ideia de deixar o coração num estendal é lindíssima. Deixar o coração em suspenso, à espera que o tempo cure as maleitas, é ter esperança em melhores dias, como se aquilo que não vemos ou aquilo em que não pensamos pudesse deixar de existir.

E, muitas vezes, é isto que fazemos. Tentamos esquecer aquilo que nos preocupa, tentamos não dar importância àquilo que nos incomoda. Porém, na maior parte dos casos, não conseguimos afastar do nosso pensamento aquilo que procuramos esquecer. E temos consciência disso, mas continuamos sempre a aplicar os mesmos métodos a situações que já conhecemos e cujos resultados já esperamos.

Sabemos, bem, que não é por deixarmos o coração em suspenso que o vamos curar, que vamos deixar de gostar de alguém, que vamos esquecer aquilo que levou à rotura. Muitas vezes, esta nossa reação serve apenas para camuflar a esperança, longínqua, que ainda temos de que a outra pessoa possa voltar a gostar de nós ou que tudo se resolva e possamos ficar de novo juntos, como se nada tivesse sucedido. Procuramos, assim, afastar as trevas, enormes e crescentes, que a noite, solitária, nos reserva. Como diz Edgar Allan Poe, no seu conhecido poema «O Corvo», na tradução de Fernando Pessoa: «A treva enorme fitando, fiquei perdido receando, / Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais. / Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita». É esta «paz profunda e maldita» que procuramos exorcizar, preenchendo os nossos dias com tarefas rotineiras que, sabemos, enganam o dia, mas nunca a noite.

E temos consciência também, como diz Afonso Cruz, de que «A felicidade é como a saúde, algo [de] que não nos apercebemos quando a temos. Uma camada subjacente que está presente mesmo na adversidade. Uma pessoa pode estar feliz incluindo nas alturas em que está triste ou frustrado, tal como não deixamos de ser uma pessoa saudável por nos termos constipado».

A felicidade está, pois, subjacente, camuflada dentro de nós, e, muitas vezes, nem nos apercebemos dela, porque vamos fazendo planos, que nem sempre se concretizam…

 

Maria Eugénia Leitão