É uma pena o Presidente da República falar tantas vezes e sobre tudo. Porque, quando fala sobre o que verdadeiramente importa, a mensagem perde-se pela banalização da palavra.
Manda a tradição que o Presidente da República se dirija ao país e aos portugueses no dia de Ano Novo.
E a mensagem de Marcelo Rebelo de Sousa deste ano – de eleições legislativas e também europeias e regionais na Madeira – acertou na mouche no quadro dos princípios, merecendo por isso generalizado aplauso. Como Marcelo gosta.
«Ponto de encontro entre povos, economia mais forte, sociedade mais justa, política e políticos mais confiáveis. Será pedir muito a todos nós, neste ano de 2019? Não, não é. Quem venceu crises e delas saiu, com coragem e visão, é, certamente, capaz de converter esse esforço de uma década num caminho mobilizador e consistente de futuro», concluiu o Presidente.
Perfeito.
A mensagem, na sua essência, alerta para as consequências do falhanço das políticas e dos políticos e da sua falta de fiabilidade e para os riscos que assim enfrenta a democracia representativa face aos perigos dos populismos emergentes na Europa e no Mundo.
O risco do populismo triunfar por cá é reduzido, dir-se-á. Pois sim. É exatamente a cegueira dessa arrogância que aumenta o perigo. Na exata medida em que a mediocridade dos políticos e das suas políticas o agrava mais ainda.
É certo que, até ver, não há quem. E valha-nos isso – porque por tudo o resto…
Se uma imagem vale mais do que mil palavras, o que dizer de um Presidente que no dia seguinte a proferir tão certeira mensagem surge retratado em vénias e laudas a Jair Bolsonaro, novo Presidente do Brasil, com amplo e cúmplice sorriso após uma «reunião entre irmãos»?
Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz?
É que não bate certo.
Então Bolsonaro não é precisamente um daqueles políticos de quem Marcelo diz que os eleitores devem tudo fazer para evitar?
Bolsonaro é um populista da direita radical que soube retirar os dividendos da falência dos partidos, da corrupção generalizada, da insegurança e criminalidade reinantes, do trabalho de propaganda da igreja evangélica brasileira.
Não é à toa que num discurso de posse, formal e institucional, por três vezes repetiu a frase «Brasil acima de tudo, Deus acima de todos» e ainda tenha agradecido a Deus ter-lhe salvo a vida. E que leve a benzer-se, terminando com um beijar de mão, a toda a hora e perante as câmaras (fotográficas e de televisão).
Se Deus estivesse mesmo preocupado com o Brasil, como Bolsonaro, a sua jovem mulher e os seus inúmeros apoiantes evangélicos tanto propagandeiam, as eleições presidenciais jamais teriam sido disputadas entre dois extremistas radicais.
Em nome dos superiores interesses de Portugal e dos milhares e milhares de portugueses (e mais um) emigrantes no Brasil e da história comum dos dois países soberanos, Marcelo não fez nada de mais ao não seguir o exemplo do resto da Europa e marcou presença na cerimónia de posse.
Mas, se não faria sentido exigir-se-lhe que aproveitasse a ocasião para retribuir o grito do Ipiranga de há uns séculos, deve dizer-se-lhe que bem podia ter evitado as imagens, até de uma certa subserviência, em tudo não condizentes com a mensagem que deixara gravada para os portugueses.
Como o Presidente Marcelo diz, e bem, os políticos têm de ser confiáveis e ter políticas confiáveis e têm de saber analisar-se e, já agora, permitimo-nos acrescentar, agir em coerência com os princípios que dizem defender e com a palavra com que se comprometem.
Será pedir muito?
Não, obviamente não é!