O sindicato apoia Estaline contra Salazar?

A ida de Mário Machado, líder de uma organização de extrema-direita que dá pelo nome de Nova Ordem Social, a um programa da TVI indignou meio mundo e até o ministro da Defesa pulou as trincheiras institucionais para condenar o programa. O Sindicato dos Jornalistas também fez um comunicado cheio de pujança, defendendo que tais…

A ida de Mário Machado, líder de uma organização de extrema-direita que dá pelo nome de Nova Ordem Social, a um programa da TVI indignou meio mundo e até o ministro da Defesa pulou as trincheiras institucionais para condenar o programa. O Sindicato dos Jornalistas também fez um comunicado cheio de pujança, defendendo que tais criaturas não podem ter tempo de antena. É «inqualificável o tempo e o espaço concedido pelo canal de televisão TVI a Mário Machado, conhecido líder da extrema-direita, várias vezes condenado e preso por diversos crimes», escreveu o sindicato. O homem que já foi acusado de vários crimes merece todo o meu desprezo e separa-nos um mundo, mundo que só faz sentido para mim onde a tolerância, a liberdade e a livre convivência entre os diferentes povos seja uma realidade, onde cada um faça o que bem entende da sua sexualidade e por aí fora.

Percebo que a presença de Mário Machado num programa de entretenimento seja discutível, até porque ali não se discute propriamente o sentido da vida, e que o homem da extrema-direita possa passar as suas ideias sem contraditório, embora Manuel Luís Goucha, o anfitrião do programa, não seja um menino nestas questões e apesar de não ser jornalista já fez belas entrevistas. Mas deve ou não a população ser informada dos movimentos extremistas? Devem ou não estes ser entrevistados para dizerem o que lhes vai na alma e todos perceberem o que pretendem? A Constituição portuguesa não proíbe as pessoas de gostarem de Salazar, embora tenham de o fazer democraticamente. É uma contradição? Sim, mas é a vida, o ditador tem os seus fãs. Se se deve dar o espaço público para que alguém possa fazer a apologia de um regime ditatorial já é outra questão.

Mas voltemos à indignação do Sindicato dos Jornalistas: «É fundamental que o jornalismo se exerça em defesa da democracia, sem a qual a liberdade de expressão não existiria […]. Esse mesmo contexto, de crescimento da extrema-direita, do populismo e do nacionalismo, impõe que os jornalistas reflitam sobre o papel que desempenham na eliminação do racismo, da xenofobia e da discriminação». E é aqui que estranho que o sindicato e o próprio ministro da Defesa não pensem o mesmo no que diz respeito à extrema-esquerda. O que disse o sindicato e João Cravinho quando no ano passado Arnaldo Matos, líder do MRPP, apelou várias vezes para os operários pegarem em armas e combaterem o capitalismo? O que disse o sindicato das entrevistas que foram feitas ao antigo educador da classe operária? Disse alguma coisa? Zero. Arnaldo Matos, diga-se, não tem o historial criminal de Mário Machado e, portanto, há diferenças enormes nessa matéria. Mas Matos chama monhé ao primeiro-ministro e não é racista?

E qual a razão então para ninguém se indignar com quem defende a luta armada para acabar com o capitalismo? É por ser de extrema-esquerda? Que a extrema-direita defende valores execráveis e deve ser denunciada, estamos todos de acordo. Mas o mesmo se passa com a extrema-esquerda, que também defende valores execráveis, e não vemos ninguém protestar quando aparecem os saudosistas de Estaline. Ou será que o ditador soviético foi menos nefasto para o mundo do que Salazar? É que parece que sim…

vitor.rainho@sol.pt