‘Universidades deviam poder selecionar alunos de várias formas’

Provas locais, entrevistas ou apresentação de portfolios podiam ser formas seguidas pelas universidades para selecionar alunos, defende Sàágua, reitor da Universidade Nova

‘Universidades deviam poder selecionar alunos de várias formas’

Os últimos números da OCDE revelam que em Portugal, todos os anos mais de 60% dos jovens ficam fora do Ensino Superior. São jovens que terminam o 12.º ano e que decidem, por várias razões, não continuar os estudos. Uma das soluções para contrariar esta tendência e atrair mais alunos para as universidades seria a alteração às regras do concurso nacional de acesso, apontou ao SOL o reitor da Universidade Nova, João Sàágua, que defende que as universidades deviam ter uma quota de vagas para poderem selecionar alunos através de provas locais, de entrevistas pessoais ou apresentação de portfolios. O reitor da Nova defende ainda a criação de uma entidade que envolveria os ministérios da Economia, do Trabalho e do Ensino Superior onde fosse feita uma previsão das necessidades do mercado de trabalho. Desta forma, as universidades afinariam «a oferta com o mercado de trabalho».           

Estes são alguns dos temas que vão ser discutidos, na próxima segunda-feira, durante a 1.ª Convenção do Ensino Superior 2020-2030 que vai ter lugar no ISCTE e que vai contar com a presença do Presidente da República, de membros do Governo e de todos os partidos políticos.  

O que mais podem fazer as universidades para atrair alunos?

Através de duas coisas que são muito importantes: uma é tentar alinhar mais a oferta das universidades [cursos] com as necessidades de desenvolvimento do país. Ir afinando a oferta com o mercado de trabalho. E não só as licenciaturas porque hoje em dia temos a noção que a formação ao longo da vida é fundamental. É um dos desafios das universidades do século XXI. Temos de ter a perceção de quais são as opções estratégicas para o país. É a saúde? É o digital? São as ciências da saúde? Se isto for claro conseguimos alinhar a nossa oferta. 

E como se pode fazer isso? Criando uma entidade que fizesse essa perspetiva de mercado? 

Acho que devia ser criada essa entidade, que seria mista. Teria, naturalmente, pessoas da área do Ministério da Economia, do Ministério do Trabalho, do Ministério do Ensino Superior onde seriam feitas as perspetivas de mercado. Nada disto subjugaria as universidades ou lhes limitaria a sua autonomia, seria uma entidade de auscultação e de diálogo. Uma proposta que crie esta entidade pode ser um resultado da convenção. Já foi objeto de discussões informais entre os reitores, temos falado que não há uma estrutura onde se pode fazer esta conversa. 

Já conversaram com o Governo sobre isso?

Não. Só foi falado em conversas informais entre nós.  

E qual seria a segunda coisa importante para atrair mais alunos? 

Seria a especialização no Ensino Superior. Não faz sentido estarmos todos a querer fazer o mesmo e com os mesmos cursos. Temos que fazer diferenciações inteligentes ao nível do país. 

Temos 14 universidades públicas, mais 15 politécnicos a que se somam as instituições privadas. Temos universidades a mais no país? Acha que podia haver mais fusões de universidades? Podia haver, por exemplo, uma mega universidade em Lisboa? 

Acho que não seria possível a fusão de mais universidades em Lisboa, além da que já aconteceu com a Clássica e a Técnica. E mesmo a nível do resto do país tenho algumas dúvidas. Acho que o caminho é a colaboração estratégica e a especialização. Não considero que há universidades públicas a mais e estou absolutamente convencido que são boas universidades e prestam bom serviço. Um estudante que vive numa zona que não tem uma universidade próxima precisa de condições diferentes das de um estudante que vive em Lisboa, que tem família em Lisboa, e onde tem três universidades públicas à escolha. Essas condições são aspetos que o sistema também tem de acautelar. Ainda por cima sabemos que as zonas que não estão perto de universidades são zonas, do ponto de vista económico, menos desenvolvidas. Portanto, as famílias dessas zonas podem ter menos facilidade em pagar não só as propinas do estudante, mas também todo o preço do deslocamento.  

Mudar as regras do concurso nacional de acesso do Superior iria atrair mais jovens que terminam o secundário?

Seria favorável a isso, a mudar as regras do concurso nacional.  

Porquê? 

Há um conjunto de jovens que, num primeiro momento, não escolhem o Ensino Superior e vão, por exemplo, para uma formação técnica. E depois verifica-se que são pessoas que até poderiam vir a ter interesse no Ensino Superior. E, neste momento, esta ligação não é fluida. Fazer depender o acesso ao Ensino Superior simplesmente das qualificações do 12.º ano tem uma vantagem: é transparente, isto partindo do princípio que as notas do secundário não estão inflacionadas – se isso acontecer já se perde a transparência. Mas também tem uma grande desvantagem: está a medir os alunos apenas pelos números. Portanto, não consegue ter a perceção nem de vocações nem de talento. Nem toda a gente consegue perceber com clareza, quando tem quinze anos – a idade em que têm de escolher que tipo de secundário quer fazer –, qual é o curso que quer tirar e se quer tirar um curso superior ou não. Há muita gente talentosa que não descobre o talento logo nessa altura e acaba por entrar numa situação irreversível logo aos 15 anos.

Então defende a criação de um mecanismo que permita aos jovens que frequentem cursos técnico-profissionais acesso ao Ensino Superior… 

Devia haver soluções com maior flexibilidade. 

Já existe esse caminho nos politécnicos, com os cursos Técnico Superior Profissionais (TeSP). Podia haver qualquer coisa semelhante nas universidades?

Podia haver qualquer coisa semelhante nas universidades. Este é um assunto sobre o qual as universidades deviam pensar um pouco e ter que se pronunciar. Isto não tem que ver com os numerus clausus [número de vagas]. O Governo tem uma política de numerus clausus porque financia o Superior e percebe-se que queira limitar em quantidade o acesso. Agora, pode criar-se quotas para estas situações. 

Como se pode alterar o concurso nacional? 

Há várias maneiras de lidar com o problema. Não tem uma solução simples. É mais um assunto que esperamos chamar à atenção na Convenção. Pode ter até uma solução diferenciada. Ou seja, além dos numerus clausus a Universidade Nova podia ter uma quota para selecionar estudantes de forma diferente da Universidade do Porto, por exemplo. Se calhar iria escolher um conjunto de protocolos de seleção diferentes. Não veria nenhum problema nisso. As universidades da Europa e dos EUA têm formas muito individualizadas de selecionar os estudantes que querem, ou não querem.  

Pode dar exemplos?  

Através de entrevistas pessoais ou de provas específicas, por exemplo. Ou até da apresentação e discussão de portfolios quando a pessoa vem de uma formação técnica. Não têm de ser adotadas formas de seleção uniformes em todas as universidades. Deviam poder selecionar alunos de formas diferenciadas. Hoje em dia já não há uma desculpa, que antigamente havia, que era, esta forma [através do concurso nacional] é a única maneira de ser equitativa porque o estudante que está numa aldeia, na província, não tem as mesmas condições do que um estudante de Lisboa para vir prestar essas provas. Isso não é verdade. Essas provas podem ser prestadas das mais diversas maneiras. Podem ser prestadas à distância, em vídeo conferência. Há muitas maneiras de fazer uma entrevista, basta ter um smartphone. 

A revisão às regras do concurso nacional de acesso é uma questão que já tem alguns anos. No início do mandato o ministro Manuel Heitor criou um grupo de trabalho que chegou a algumas conclusões e apresentou propostas. Nada foi feito. O Governo já podia ter feito alguma coisa?

Alguma coisa já deveria ter sido feita. Percebo que há partes do sistema que são de tal maneira importantes que não se pode destabilizar sem ter a certeza que se tem uma solução melhor. E esta é certamente uma dessas partes. Mas acho que já se podia ter feito qualquer coisa.