A Londres pró Europa

Existe meio milhão de portugueses no Reino Unido e mais de 60 mil ingleses em Portugal, sobretudo no Algarve. As relações económicas e empresariais de Portugal com o Reino Unido valem quase vinte mil empregos. Os dois países só têm a ganhar se fizerem tudo o que estiver ao seu alcance para atenuar ao máximo…

«Londres parece outro planeta comparado com o resto do país».

Tema de capa da revista Spector, 2015

 

A propósito do Brexit, de algumas lições esquecidas da História, da importância exagerada da ortodoxia dos números, alguns cidadãos têm-me feito chegar preocupações e sugestões. Tais como o futuro das línguas na União Europeia com a saída da Grã-Bretanha, a Commonwealth, Gibraltar, a Escócia, a indústria do futebol. E também questões relativas a Portugal e ao Algarve – e, sobretudo, à City financeira londrina.

São matérias que devem ser consideradas nesta problemática do Brexit.

Poderíamos desde logo reconhecer que, num cenário internacional em que o Presidente dos EUA, Donald Trump, parece querer acelerar a divisão da ordem internacional liberal, o Reino Unido corre o risco de ficar mais sozinho no livre comércio e até na sua segurança interna.

Quanto à Escócia, a imprevisibilidade é grande. Mas há quem afirme que poderá vir a ser uma espécie de Gronelândia. Que — recorde-se — em 1985, através de referendo, saiu da União Europeia, mas continuando a fazer parte da Dinamarca.

E Gibraltar? Será o regresso da história e da memória dos povos? Com a Espanha a continuar a não ver com bons olhos a presença inglesa naquele que considera ser seu território. Resquícios do passado, onde os impérios espanhol e inglês se marcavam e nãExiste meio milhão de portugueses no Reino Unido e mais de 60 mil ingleses em Portugal, sobretudo no Algarve. As relações económicas e empresariais de Portugal com o Reino Unido valem quase vinte mil empregos. Os dois países só têm a ganhar se fizerem tudo o que estiver ao seu alcance para atenuar ao máximo os efeitos negativos do Brexito deixavam de tudo fazer para manter a integridade dos seus territórios ultramarinos.

É certo que ninguém esperará que essa contenda dê no que deu no século passado, com a Inglaterra a enviar a sua ‘armada’ para as Falklands em contenda militar com a Argentina. E Portugal? Como ficarão as relações com o seu mais antigo aliado? O que vai mudar política e economicamente?

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Apesar de existirem variáveis que não são controláveis. Como a desvalorização excessiva da libra, que, a acontecer, poderá ter consequências muito negativas no rendimento disponível de muitos ingleses e de muitas das suas famílias — que têm habitação em Portugal e cá vivem permanentemente ou passam grandes temporadas.

O mercado português de estudantes universitários é relevante para as universidades inglesas, que não se têm poupado a esforços para recrutar alunos no nosso país. E o futebol inglês? Como vai ficar o campeonato de futebol mais famoso e rentável do mundo? Que critérios vão continuar a ser exigidos para a contratação de jogadores não comunitários? A atratividade e a competitividade do campeonato inglês vão diminuir? E a Commonwealth? Será ou não transformada pelo Reino Unido num instrumento de total sintonia política, diplomática, económica e cultural? Será difícil. Porque é composta por Estados independentes que não vão fazer tudo o que os britânicos quiserem. E eis-nos chegados a Londres. Que cada vez é mais um ‘planeta’ à parte. Uma quase cidade-Estado, depois de o império colonial inglês ter criado Hong-Kong e Singapura.

Note-se que 35% dos habitantes de Londres não nasceram em solo britânico (no geral do Reino Unido esse número baixa para 8%. Londres é uma espécie de centro mundial do cosmopolitismo e da globalização. É uma cidade onde se falam mais de 300 idiomas e que, segundo algumas previsões, nas próximas duas décadas vai aumentar a sua população em mais de dois milhões de pessoas. Londres é uma cidade do talento que parece nunca adormecer. É um outro ‘país’. Um país sem ‘nacionalidade’ – ou, então, de muitas nacionalidades. Com um mayor muçulmano, Sadiq Khan. Uma cidade mais aberta e tolerante do que a cidade das luzes, Paris. E mais charmosa do que Nova Iorque ou Buenos Aires.

Esta Londres é uma Londres europeia e não a favor do Brexit. Recorde-se que sete das maiores votações contra o Brexit, nas quase 390 circunscrições eleitorais britânicas, tiveram lugar em Londres, com mais de 75% de votos. No resto do país, só em 9 circunscrições eleitorais o Brexit ultrapassou os 70%.

A City londrina é o maior centro financeiro do mundo (há quem diga que o Reino Unido, no seu todo, é ‘a maior offshore’ do mundo).

Cidade de serviços, não só financeiros mas também tecnológicos, com uma forte aposta na indústria 4.0.

Poder-se-á perguntar: mas não existem pontos negativos em Londres? Existem. Por exemplo, Londres perdeu nos últimos anos o equivalente a 22 Hyde Park, devido à urbanização acelerada. Ou seja, Londres, no século XXI, pode fundar e aprofundar o conceito de novas cidades-Estado, sobretudo na Europa.

Mas é a capital e faz parte integrante da nação que, nos últimos 43 anos de pertença à família europeia, parece nunca ter querido ser verdadeiramente europeia. Será que a Europa vai também tirar os ensinamentos deste divórcio? Com todas as repercussões negativas para ambos os lados: diplomáticas, económicas, sociais, etc.?

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