O fantasma de Salazar

A recente entrevista a um programa de entretenimento televisivo de um conhecido delinquente comum, mas também afamado por professar ideias diametralmente opostas às toleradas pelo pensamento político definido pelos guardiões do regime, provocou uma onda de indignação junto das hostes que não se cansam de arvorar o seu anti-fascismo, traduzindo-se em sucessivos apelos para que…

A recente entrevista a um programa de entretenimento televisivo de um conhecido delinquente comum, mas também afamado por professar ideias diametralmente opostas às toleradas pelo pensamento político definido pelos guardiões do regime, provocou uma onda de indignação junto das hostes que não se cansam de arvorar o seu anti-fascismo, traduzindo-se em sucessivos apelos para que o canal de televisão em questão seja reprimido pelo seu comportamento errante.

Invocou-se, como justificação pelo apelo à censura, a circunstância do entrevistado ter já  cumprido diversas penas de prisão pela prática de vários crimes, entre os quais, no dizer dos acusadores, o de incitamento ao ódio racial.

As televisões, e não apenas o canal público, têm a obrigação de desempenhar um papel pedagógico junto da sociedade, razão pela qual devem abster-se de oferecer tempo de antena a pessoas pouco recomendáveis.

Sendo assim poder-se-ia compreender a agitação que esta entrevista provocou mas, no entanto, os motivos que se escondem por detrás de toda esta indignação em nada se identificam com questões de moralidade, mas apenas, e só, com a costumeira arruaça que caracteriza aqueles que se ocultam sob a capa da democracia para imporem a uma maioria a ideologia minoritária que abraçaram .

Senão vejamos, onde estão estes polícias dos costumes sempre que criminosos confessos se passeiam entre câmaras televisivas, substituindo as salas judiciais de audiência, local onde se deveriam justificar pelos actos criminosos que cometeram, pelo palco que lhes é oferecido por jornalistas sem escrúpulos?

Onde estavam quando Vara, depois de esgotados todos os recursos que se arrastaram durante anos e, consequentemente, deixar de poder invocar o direito à presunção da inocência, veio para a mesma televisão que agora entrevistou Mário Machado pôr em causa o bom-nome de um dos juízes que o condenou, ofendendo-lhe a honra e o carácter?

Estaria, nessa altura, o ministro da defesa demasiado ocupado em assuntos do seu ofício para se dar ao trabalho de dar a cara pelo garante do estado de direito democrático?

Ou será que a militância socialista do delinquente em questão lhe acresce direitos quando comparado com quem pensa de maneira diferente?

Porque se calaram quando um assassino, sem dó nem piedade e sem qualquer motivo aparente, pôs termo à vida de um jovem casal e de um militar da GNR, deixando um outro às portas da morte, para de seguida ter direito a uma equipa de reportagem da televisão pública deslocar-se ao local onde se escondera e entrevistá-lo em horário nobre?

Porque se mantiveram em silêncio quando, há já uns bons anos, outra equipa de reportagem da televisão que é sustentada pelos nossos impostos rumou para o Brasil a fim de entrevistar uma foragida da justiça?

Terá sido igualmente a circunstância de se tratar de uma socialista que justificou o abusivo gasto do dinheiro que nos é sacado através dos impostos que nos cobram?

E tantos outros casos há a registar de gente execrável, a contas com a justiça, entrar-nos por casa adentro, sem que se ouça uma única palavra de repúdio pela voz dos agora inconformados com o atrevimento da TVI em levar aos seus estúdios uma pessoa com o perfil que caracteriza o convidado declarado maldito.

E atente-se num pormenor, ostensivamente omitido, que é o de Mário Machado já ter saldado a sua dívida para com a sociedade, cumprindo integralmente as penas de prisão a que foi condenado, ao contrário da maioria dos outros criminosos levados ao colo por uma imprensa desavergonhada, que ainda nem sequer visitaram o interior de uma cela prisional, malgrado muitos deles terem visto a sua sentença condenatória transitada em julgado!

Esta discrepância de atitude por parte das nossas virgens ofendidas, que exibem dois pesos e duas medidas diferentes perante casos semelhantes, compreende-se porque na verdade o que as aflige não é a cobertura concedida a quem tem dado provas de comportamento desordeiro, mas sim a ousadia de permitir-se dar voz a quem ostenta um pensamento dissonante com aquele que foi estabelecido como o oficial do regime e, como consequência, o único livremente autorizado.

E, mais ainda, o que levou a esta vaga de histerismo foi a invocação de Salazar, nome que continua a causar arrepios de pânico nestes democratas de meia-tigela que se apropriaram da governação de Portugal.

A História, a seu tempo, quando deixar de ser escrita por mentirosos compulsivos, encarregar-se-á de julgar o legado de Salazar, com isenção e objectividade, apontando-lhe tanto os feitos louváveis como os reprováveis.

A democracia partidária institucionalizada no pós-25 Abril nasceu torta e nessa condição se tem mantida desde então, porque proíbe a exaltação de quem retirou Portugal da podridão em que se afundou com a 1ª República, mérito que jamais poderá ser negado a Salazar, apesar das acções não abonatórias que posteriormente lhe possam ser atribuídas, mas condescende, quando não mesmo incentiva, com a apologia dos crimes horrendos praticados por ditadores sanguinários, apenas porque executados em nome da esquerda.

Os controladores do politicamente correcto rejeitam qualquer referência a Salazar, mas não se incomodam minimamente que se defenda a obra de Estaline, que mais não foi do que o martírio de mais de quarenta milhões dos seus compatriotas em frente a pelotões de fuzilamento, e outros muitos mais milhões que pereceram esfomeados.

Para esses politiqueiros da situação é permitido apreciar-se Mao, que também se entreteve a chacinar o seu próprio povo, ou Fidel, que proibiu a liberdade no seu país e reduziu os cubanos a uma pobreza extrema, ou Maduro, que continuou a saga do seu antecessor, Chavez, transformando o país mais rico da América Latina num em que as pessoas se vêm obrigadas a procurar comida nos caixotes de lixo para sobreviverem, mas nem pensar em ousar-se fazer qualquer menção ao regime derrubado em 74.

O aparecimento de um Mário Machado num programa televisivo é razão suficiente para o recurso à censura e queixas para as instâncias judiciais, mas às gémeas bloquistas são-lhes estendidas todas as facilidades para que enalteçam os crimes em que se viu envolvido o paizinho, ironizando mesmo que se tratariam de armas de brincar as que ele utilizou nos atentados terroristas em que se emaranhou, brinquedos esses que, registe-se, derramaram sangue inocente.

O mesmo sangue com que Otelo e seus capangas mancharam as mãos, não tendo os muitos homicídios de que foram executantes constituído razão impeditiva para que fossem convidados  por diversas vezes a pisar palcos televisivos, dos quais se aproveitaram para glorificar as barbaridades pelas quais foram sentenciados a prisão.

Os crimes com a chancela de Abril são desculpáveis para esta gente que se horroriza com um simples organizador de brigas de rua.   

Portugal somente poderá respirar uma democracia autêntica quando todos, independentemente do seu pensamento político, se puderem exprimir livremente, sem receio de consequências.

Receio que esse sonho somente se possa tornar realidade quando esta geração de políticos, acomodados sob a protecção de telhados de vidro, der lugar a uma nova, não comprometida com a lama em que a actual se deixou atolar.

Uma geração que, ao contrário da que ainda a antecede, não esteja embutida de razões para viver  atormentada com o fantasma de Salazar!

 

  Pedro Ochôa