Vistos gold representam riscos de infiltração de crime organizado, diz UE

A Comissão Europeia vai criar um grupo com especialistas para preparar o processo para se terminar com estes programas na UE

A União Europeia considera que os esquemas para conceder vistos de residência a estrangeiros em troca de investimentos – os apelidados vistos gold – ou a cidadania pelos seus Estados-membros representam “riscos de infiltração de grupos de crime organizado” no bloco europeu. É uma das conclusões de um relatório da Comissão Europeia a que a Reuters teve acesso e que será hoje divulgado em Bruxelas. A Comissão irá criar um grupo de especialistas que irá recomendar um processo para se terminar com estes programas até ao final deste ano. 

Entre os 28 Estados-membros, explica a Reuters, apenas três – Malta, Chipre e Bulgária – têm leis que permitem a venda de cidadania em troca de investimento, enquanto outros 20 Estados-membros têm esquemas de permissões de residência, entre os quais Portugal. Apenas seis não têm nenhum destes programas. 

Nos primeiros três Estados-membros referidos, os cidadãos estrangeiros podem comprar passaportes por valores entre um e os dois milhões de euros. A partir destes países podem viajar para os restantes do bloco europeu sem quaisquer obstáculos. Os vistos gold também permitem a livre circulação nos Estados-membros da União Europeia, diluindo, alerta a UE, a capacidade dos Estados em dirimir as ameaças vindas de grupos de crime organizado. 

Entre os Estados-membros criticados encontra-se Portugal. O programa de vistos gold português obriga aos estrangeiros que dele beneficiam a um mínimo de sete dias por ano no país, o que, diz a Comissão Europeia, viola a regra de “presença continuada” europeia. Além disso, Portugal não controla a origem da riqueza e dos pagamentos dos seus beneficiários, o que representa riscos de lavagem de dinheiro. 

“A garantia que damos é que o programa português tem instrumentos de controlo bastante apertados e tudo o que ao longo da execução do programa verificamos que é preciso corrigir ou aperfeiçoar, nós corrigimos e aperfeiçoamos”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, em entrevista ao SOL em dezembro. “As questões ligadas à segurança estão bastante bem acauteladas, as questões ligadas à origem e natureza do capital são escrutinadas e a justiça tem acompanhado como lhe compete este programa”, explicou. 

Também o Parlamento Europeu já tinha pedido, num relatório, para o esquema dos vistos gold ser proibido pelas mesmas razões elencadas agora pela Comissão Europeia. Todavia, o órgão legislativo europeu acrescentou uma outra: a da desvalorização da cidadania. O fim é o seu objetivo final, mas, entretanto, o órgão legislativo europeu pediu aos Estados-membros que avançassem com as diligências necessárias para garantir uma melhoria na análise dos requerentes destes vistos. 

A eurodeputada portuguesa Ana Gomes chegou inclusive a apelar à Comissão Europeia que fosse “radical” ao proibir a “venda de cidadania” com os vistos gold. No entanto, o seu principal ponto foi a da discriminação entre os estrangeiros com dinheiro e os milhares de imigrantes e refugiados que nos últimos anos tentam chegar à Europa por terra e por mar, com muitos deles a perderem a vida na travessia marítima. 

“Acredito que o sistema de ‘vistos gold’ é imoral, totalmente imoral. É imoral quando os Estados-membros não estão a permitir que pobres migrantes entrem na Europa e os estão a deixar morrer no Mediterrâneo. Atribuir vistos a corruptos ricos neste contexto é escandaloso”, criticou a eurodeputada socialista que tem sido uma das vozes mais críticas destes esquemas. “Talvez traga prosperidade às empresas e instituições que estão no processo de atribuição dos vistos, a escritórios de advogados, às autoridades públicas, mas não ao país”, acrescentou.