May volta a Westminster e reafirma as linhas vermelhas de sempre

Recusou um segundo referendo, a extensão da saída da UE e afastar o cenário sem acordo. May quer negociar com Bruxelas a salvaguarda entre as duas Irlandas

A primeira-ministra britânica, Theresa May, apresentou hoje o seu plano B – como era obrigada -, mas as dúvidas mantêm-se e o seu plano alternativo assemelha-se em muito ao original, devastadoramente derrotado na Câmara dos Comuns na semana passada. Em suma, voltou a reafirmar as suas já conhecidas linhas vermelhas – o não a um segundo referendo, não descarta a saída sem acordo e não à extensão da saída da UE. A grande novidade foi a revogação das taxas aos cidadãos europeus que queiram permanecer no país no pós-Brexit.

“Ficou claro que a abordagem do governo tinha de mudar”, disse May, garantindo que ouviu os deputados e que “mudou”. Mas essa mudança soube a pouco entre os deputados. May voltou a recusar afastar a hipótese de um cenário sem acordo, recusou um segundo referendo e recusou pedir o adiamento do prazo de saída da União Europeia, agendada para 29 de março. 

No entanto, e ao contrário do que aconteceu no passado, mostrou-se disponível para dar mais voz ao parlamento. Porventura com os deputados a forçarem a extensão da aplicação do artigo 50.º do Tratado da União Europeia – o que estipula a saída de um Estado-membro da União Europeia -, segundo Yvette Cooper, deputada trabalhista. O governo de May, disse Cooper, quer em privado que os deputados o façam, salvando a face por sempre o ter recusado, algo que voltou a fazer hoje.

May também disse querer voltar a Bruxelas para renegociar a salvaguarda entre as duas Irlandas, apresentando aos líderes europeus as preocupações dos deputados – já bastante conhecidas. A primeira-ministra continuará a encontrar-se com os deputados das várias bancadas parlamentares, especialmente com os do Partido Unionista Democrático, da Irlanda do Norte, para se encontrar uma solução que seja aceite tanto em Westminster como em Bruxelas. O Partido Trabalhista não aceita reunir-se com May, acusando-a de serem reuniões de “fachada”.

No entanto, há muito que os líderes europeus têm dito e reafirmado que as negociações estão encerradas, algo que a própria May mostrou saber pouco antes da votação do acordo por si negociado: “Algumas pessoas pensam que se chumbarem este acordo fazem o governo voltar a Bruxelas para renegociar. Mas a UE não vai reabrir as negociações”.  

A reação europeia não tardou pela voz do negociador-chefe de Bruxelas, Michel Barnier, ao avisar a líder britânica para não focar a sua estratégia na salvaguarda, arriscando, caso o faça, a voltar ao parlamento de mãos vazias por a questão “já não fazer parte do debate”. “Este debate é muito mais sobre a futura relação entre a UE e o Reino Unido”, avisou Barnier, explicando de seguida “ser o momento de os líderes do Reino Unido construírem uma maioria política estável para um acordo”. “Estamos à espera dos próximos passos e estamos prontos para voltarmos a trabalhar na declaração política”, acrescentou.

A grande novidade apresentada pela líder britânica foi sem dúvida a revogação da taxa – de 65 libras (83 euros) – aplicada aos cidadãos estrangeiros residentes no Reino Unido – mais de três milhões – que lá queiram permanecer no pós-Brexit.  

A insistência de May numa velha estratégia camuflada de nova levou o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, a dizer que a primeira-ministra está num “estado de negação” e a caracterizar o dia como: “Isto realmente parece-se um pouco como ‘Groundhog Day/O Feitiço do Tempo’”, uma referência a um filme de 1993 onde a personagem principal está destinada a viver sem fim o mesmo dia.

A perspetiva de Corbyn é partilhada por outros deputados que deverão avançar com emendas à moção alternativa de May, cuja votação será a 29 de janeiro. Entre estas, três destacam-se: o pedido para se estender o artigo 50.º, cuja proponente é Yvette Cooper; a transferência de poder de agenda do governo para o parlamento, proposta por Dominic Grieve, antigo procurador-geral conservador, e que permite à Câmara dos Comuns bloquear o cenário sem acordo ao estender o prazo de saída e permitir votos indicativos sobre as soluções em cima da mesa, incluindo um acordo à semelhança do que a Noruega tem com a UE; e, por fim, uma emenda que propõe votos indicativos sem que o parlamento possa estabelecer a agenda, proposto pelo deputado independente Frank Field.