Rafad Alqunun fugiu da opressão sem olhar para trás

Rafad, uma jovem de 18 anos, fugiu há uma semana da família saudita. Aterrou em Banguecoque, Tailândia, e esteve em risco de ser devolvida à família, que a iria matar por ter renunciado ao Islão. O Canadá acolheu-a como refugiada e hoje está em segurança. Esta é a história de uma fuga há muito planeada.

Rafad Alqunun fugiu da opressão sem olhar para trás

Desesperada, Rafad Mohammed Alqunun, saudita de 18 anos, barricou-se há uma semana num quarto de hotel numa zona de trânsito do aeroporto de Banguecoque, Tailândia, para evitar ser deportada para o Koweit, onde a sua família a esperava. Pediu ajuda internacional pelo único canal que lhe ocorreu: a rede social Twitter. E a reação foi massiva.

Milhares de comentários e partilhas, tantos que chamou a atenção de governos ocidentais e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Em 48 horas, mais de 50 mil pessoas passaram a segui-la na rede social. «Os meus irmãos, a minha família e a embaixada saudita estarão à minha espera no Koweit», escreveu então. «Vão matar-me, a minha vida está em perigo».

Ao contrário de tantas outras mulheres que tentaram fugir da Arábia Saudita, Mohammed está hoje em segurança em Toronto, depois de o Governo canadiano a ter acolhido sob o estatuto de refugiada. «Sinto-me segura aqui, mas não é a 100% por toda a gente me conhecer», admitiu a jovem, na primeira entrevista pós-fuga ao Toronto Star, no início desta semana, percebendo-se receia retaliações sauditas.

Nesta entrevista, a Rafad explicou o drama que viveu e as razões para ter fugido, abandonando a realidade e todos os que conhecia para ter uma vida em que pudesse escolher o seu futuro. «Fui espancada por não rezar e ajudar em casa. Era opressão diária», conta a jovem, sentada numa cadeira num gabinete de apoio a imigrantes canadiano.

Mohammed rejeitava o confinamento das mulheres ao espaço privado, das lides domésticas, a que a sociedade saudita as remete, e ao uso da respetiva indumentária islâmica, a abaya, um longo vestido preto que cobre todo o corpo e lhes censura a feminilidade. Renunciou ao Islão, crime punido com a morte na Arábia Saudita, e criticou, com a devida cautela, a opressão a que as mulheres eram sujeitas no país rico em petróleo, transformando-as em meros objetos às mãos dos homens, tal e qual nos tempos feudais. «Somos [as mulheres] tratadas como objetos, como escravas. Não podemos tomar decisões sobre o que queremos», explicou aos jornalistas com lágrimas a escorrer-lhe no rosto, sem conseguir controlar as emoções. 

Os olhos, cansados e vermelhos da falta de sono, não deixam dúvidas do impacto que a pressão psicológica teve na saúde da jovem.

«Estava com medo de ser capturada, detida e enviada de volta para casa, e ninguém iria saber nada sobre mim», admitiu, referindo que a sua «vida estava em perigo» e que sentiu «não ter nada a perder».

O planeamento da fuga começou meses antes de Mohammed fazer os 18 anos, quando passaria a ser reconhecida como adulta pelo maioria dos países ocidentais. O destino que tanto ambicionava era a Austrália – já tinha um visto turístico de três meses. Nesses meses, a jovem saudita pediu conselhos e ajuda a outras feministas sauditas, quer às que viviam na Arábia Saudita, quer às que já tinham vivenciado fugas bem sucedidas. «Muitas das minhas amigas são raparigas que escaparam e que são agora refugiadas», disse Mohammed.

No reino saudita, as mulheres estão proibidas de interagir com homens que não sejam da sua família, de procurar justiça por violência doméstica e abusos sexuais – a sanção contra estes crimes, incluídos no código penal apenas em 2013, é uma multa – e de vestir a roupa que quiserem.

A jovem ganhou mais consciência da opressão das mulheres no país e a sua decisão estava tomada – os seis meses que passou trancada num quarto por ter cortado o cabelo terão sido um marco na sua decisão. Restava apenas a oportunidade certa para fugir. Esperou pelo momento e esse surgiu numa viagem de férias da família ao Koweit – para as mulheres sauditas saírem do reino, trabalharem, irem ao médico e casarem precisam de autorização do pai ou marido. Com a família distraída, Mohammed pegou em alguns pertences e fugiu para o aeroporto, embarcando num avião para a Tailândia. Tudo parecia correr bem até as autoridades da alfândega tailandesas a quererem deter para a deportar para o Koweit, por ser o local por onde entrou no país. Fugiu, barricou-se num quarto de hotel, pediu ajuda e esperou.

Nos minutos que lhe pareceram horas, e nas horas que pareceram dias, Rafad preparou-se para o pior: escreveu uma carta de despedida. Pensava que as autoridades tailandesas iam entrar no quarto e detê-la, desfecho que não estava disponível para aceitar. Matar-se-ia quando ouvisse os primeiros sons do outro lado da porta. Entretanto, os seus apelos desesperados chegaram a milhares de internautas e, depois, à imprensa internacional.

Governos ocidentais expressaram apoio à jovem disponibilizando-se para a acolher e o ACNUR enviou responsáveis para irem ao seu encontro. Tinham como objetivo perceber se podia receber o estatuto de refugiada, que acabou por obter. O Canadá aceitou-a e, sob proteção de agentes do ACNUR, entrou num avião para viajar para o outro lado do Atlântico, bem longe da Arábia Saudita. Pelo meio, o seu pai chegou à Tailândia para falar com ela, intento logo recusado pela jovem, que, pouco antes, tinha recebido ameaças de morte de um primo. «Ela é ex-muçulmana e tem uma família muito rígida. Estão a usar a violência contra ela e foi vítima de assédio sexual», contou uma amiga de 23 anos de Mohammed, que recentemente conseguiu fugir do reino para a Austrália, ao Guardian. «Ela recebeu ameaças do primo – ele disse que quer ver o seu sangue, que a quer matar», continuou, explicando que «se não a matarem não poderão aparecer em público». «Ela é uma ativista, é uma feminista», resumiu.

Os seus familiares nunca mais a viram e, em retaliação, decidiram deserdá-la. Mohammed ainda tentou contactar a irmã mas nova pelas redes sociais, mas foi bloqueada. E, numa decisão simbólica para esquecer o passado, a jovem saudita deixou agora cair o nome da família para se passar a chamar apenas Rahaf Mohammed.

Rahaf Mohammed espera inspirar outras mulheres. «Acho que o número de mulheres que fogem da administração saudita e do abuso irá aumentar (…). Tenho a certeza de que haverá muitas mais mulheres a fugir. Espero que a minha história as encoraje a serem corajosas e livres», disse na mesma entrevista. Agora, terá de construir toda uma nova vida de raiz.