Um regresso ao passado

Por que é que antigamente era assim tão bom? E o que justifica a nossa quase obsessão com os produtos antigos, os vintage e as recriações retro com materiais modernos?

Raramente concordo com a ideia de que antigamente é que era bom. Não passei pela quarta classe antiga, nem fiz exame no final do quinto ano, até já era outra coisa no meu tempo e não tinha exame, nunca ‘marrei’ os afluentes do Lima, nem fui capaz de debitar todas as estações e apeadeiros da linha do Norte. Paciência… aprendi outras coisas e de uma maneira diferente, no meu tempo usava-se a régua de madeira para fazer medições e as experiências com ‘tabefes’ das professoras eram coisas muito insípidas, o susto era muito superior à dor.

Por que é que antigamente era assim tão bom? E o que justifica a nossa quase obsessão com os produtos antigos, os vintage e as recriações retro com materiais modernos? Com todos os seus defeitos, acredito que a pedagogia e o sistema educativo são muito melhores hoje do que no meu tempo de estudante. A educação é apenas um exemplo do avanço da sociedade, que se deu de forma muito significativa em quase todas as áreas. No caso dos produtos e serviços, entrega-se hoje muito mais e melhor do que há umas décadas. 

Voltar ao passado, para quê? 

O retro e o vintage estão na moda e não são um fenómeno passageiro: já se instalou há algum tempo e tem rendido muito dinheiro. A pouco e pouco começa a ser difícil entrar num restaurante, café ou hotel – as padarias já fazem o pleno –, que não tenha uma bicicleta de ferro, uma máquina de costura ou um rádio antigo. Isto já não tem nada a ver com aquela peça que a avó tinha lá em casa, que recuperamos para nos divertirmos e manter viva a sua memória. O retro é chique, e começa a ser complicado perceber se dá para ser chique sem ser retro. 

O retro é um sinal de qualidade. Tratam-se de produtos que foram capazes de resistir ao passar dos tempos (com ou sem restauro) e são uma homenagem a um período que por algum motivo se destacou. E chegam a targets bastante diferentes, o comprador do novo Fiat 500, um dos líderes de vendas no seu segmento (incluindo Portugal) alguma vez considerou comprar um Fiat 500 ‘dos antigos’? Claro que não, da mesma forma que o comprador de um clássico, tipicamente alguém que gosta de automóveis, tem a paciência e demais recursos para lhe prestar a assistência que necessita, olha para a nova versão do seu modelo de estimação de uma forma muito diferente da ‘jovem, urbana, trendsetter, 25-34, A/B C1’ para o seu 500 branquinho e com estofos em pele. 
A afirmação do retro e do vintage é uma vitória do marketing em toda a linha: acrescenta-se valor a um produto reinterpretando ou simplesmente voltando a produzir mais do mesmo. Os produtos do antigamente, os verdadeiros e os outros, contam mais facilmente uma história, transmitem muito mais personalidade e caráter. E os consumidores estão disponíveis a pagar mais por isso e, inclusivamente, a fazerem cedências importantes: o conforto de uns ténis do modelo clássico da Sanjo não tem comparação com o de umas sapatilhas de qualquer marca de última geração.  

Claro que o sucesso desta tendência não é igual em todas as categorias. No mundo da moda, onde há uma ideia de ciclo, é normal assumir que o que já foi moda um dia voltará de novo a ser. O retro é um sucesso. Na música a nova vida do vinil será um dos caminhos para reanimar a venda em suportes físicos, num processo que correndo bem também vai levar o seu tempo. Já no que toca à tecnologia, nomeadamente aos telemóveis, a recetividade tem sido outra. Nokia e Motorola, duas marcas que já passaram fases muito melhores do que aquelas que vivem atualmente, tentaram reeditar alguns dos seus modelos mais conhecidos. Um investimento considerável, pelo menos em publicidade, mas que não teve reflexo nas vendas. Claro que apareceram umas celebridades a abrir conchinhas para fazer chamadas, mas foi um movimento muito efémero. E voltaram para os seus smartphones para brincarem à vontade com o WhatsApp e Facebook.  

Também as consolas de jogos apostam em reedições dos seus formatos de sucesso, Sony Playstation, Nintendo, Atari, um mercado relativamente novo e que não mostra sinais de abrandamento. Aliás, cada vez que é anunciada a ‘nova velha consola qualquer’ as pré-encomendas entopem sites, as vendas correm bem mas não esgotam produto.  
O retro, ou vintage, ou clássico ou original é algo que fez muito mais do que resistir ao teste do tempo. O tema não é a qualidade, mas entre necessidade de estar na moda e alguma nostalgia, estes produtos atraem os que cresceram com eles mas também os que crescem a ouvir falar deles e que agora os têm ao seu alcance.
Esta é uma moda que não vai passar tão depressa e que abre via a outros caminhos: poderão os produtos retro ser uma solução de escape a uma realidade cada vez mais complexa? Se assim for, as marcas que o conseguirem fazer ganharão cada vez mais espaço e relevância no quotidiano das pessoas. 

*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media