Um passeio pelo jardim perfumado

Poderíamos chamar-lhe ‘a síndrome do colecionador’. Por mais sobrelotadas que estejam as nossas estantes, teimamos por vezes em concentrar-nos doentiamente naquele ou naqueles livros que achamos que nos fazem falta. Perante o brilho das obras desejadas, tudo o que acumulámos ao longo de anos parece perder o seu fulgor. Caso víssemos a situação com um…

Poderíamos chamar-lhe ‘a síndrome do colecionador’. Por mais sobrelotadas que estejam as nossas estantes, teimamos por vezes em concentrar-nos doentiamente naquele ou naqueles livros que achamos que nos fazem falta. Perante o brilho das obras desejadas, tudo o que acumulámos ao longo de anos parece perder o seu fulgor.

Caso víssemos a situação com um mínimo de racionalidade, rapidamente chegaríamos à conclusão de que temos livros mais do que suficientes para nos entretermos nos próximos tempos – se não para o resto dos nossos dias. Contudo, essa espécie de cegueira, ou insaciabilidade, também tem um lado virtuoso: é ela que faz com que uma biblioteca se mantenha viva e que vá crescendo até se tornar algo verdadeiramente imponente.

Mas nem tanto ao mar nem tanto à terra. Também é um exercício salutar de tempos a tempos fazermos uma ronda pelas nossas estantes e redescobrirmos nelas a riqueza do que ao longo do tempo fomos conseguindo entesourar.

Uma vez que as lombadas alinhadas nas prateleiras tendem a formar uma massa contínua e compacta, há que tirar os volumes individualmente para percebermos o que cada um tem para nos oferecer, como se fossem pedras preciosas que é preciso aquilatar: aqui, este ensaio que hoje se encontra a preços proibitivos e que conseguimos adquirir não muito caro; ali, aquela raridade difícil de encontrar, ainda que de valor comercial baixíssimo; acolá a biografia que andámos a namorar tanto tempo e que, realmente, nos encheu as medidas. Mesmo os exemplares mais comuns podem estar cheios de significado, seja pelo tema, pela nossa relação com o autor, pelas circunstâncias em que os lemos ou por quem no-los ofereceu.

No meu caso, se deixar de lado as angústias dos livros que não tenho (porque nunca se pode ter todos), sinto-me um homem muito afortunado. Poderia comparar-me a um milionário que tem a sorte de poder fruir da sua riqueza – sempre em pequenas doses. Mas ocorre-me também outra imagem: a do proprietário de um belo jardim que a qualquer momento pode sair de casa, deleitar-se com o perfume das flores e colher a mais bela e mais delicada que encontrar. Com a diferença de que os livros murcham mais devagar do que as flores e têm um perfume mais persistente.