Quando a ficção parece verdade – e em parte até é

Teorias da Conspiração, a nova série da  RTP1, remete-nos para os bastidores da política e da banca nacional dos últimos dez anos.

Em 2010, numa entrevista em que quebrava o silêncio depois de o Banco de Portugal o ter condenado a uma multa de 1 milhão de euros e de ter ficado inibido de exercer cargos na banca por nove anos, Jardim Gonçalves dizia ao Expresso que sim, era verdade que um dia recebera uma bala por correio, num envelope. «Não é o mais importante, mas é verdade. Recebi em minha casa».

Por essa altura ainda Paulo Pena, então jornalista da Visão, não fazia ideia de que um dia o seu olhar sobre a realidade política e financeira nacional se deslocaria do de jornalista para o de criador e argumentista de uma série televisiva sobre os bastidores de toda uma cultura empresarial e política que, durante anos, definiu o destino do país. «Olhando para trás, e para aquilo que aconteceu no país, percebemos que aquela cultura era um erro». Dá o exemplo das grandes empresas que, nos anos que se seguiram, faliram, foram vendidas, perderam importância. E nota como no campo político o que se passou foi idêntico. «Mas nunca houve uma análise política sobre o  que aconteceu naquele período. Tivemos a história do viver acima das possibilidades, tivemos a história dos alemães, mas não olhámos nunca para a forma real do que verdadeiramente aconteceu».

Daí nasceu Teorias da Conspiração. Uma produção da RTP estreada ontem e que, ao longo das próximas 17 semanas, tomará conta da programação do primeiro canal nas noites de sexta-feira, em que Paulo Pena, hoje jornalista no Diário de Notícias, começou a trabalhar numa «tentativa de, ficcionalmente, contar uma possibilidade de interpretação dessa história». 

Porquê? «Tinha acabado de escrever um livro sobre a crise da banca [Jogos de Poder, 2014] e tinha percebido a limitação que isso tem: consegues contar uma história cheia de factos com o crítério jornalístico em que tens que verificar tudo o que dizes, tens que deixar de fora 3/4 do que sabes porque não podes provar». Era a altura em que a RTP transmitia Borgen, a série de sucesso internacional sobre os bastidores da política dinamarquesa, também a altura em que o país tinha já atravessado a fase mais dura de uma crise que obrigou a uma intervenção externa e em que começava a assistir às Comissões de Inquérito do BES. «Comecei a achar que [uma série televisiva] seria uma belíssima forma de contar esta história».

E vamos então à história: aqui, o nome do banco será outro, e o do banqueiro também – Emílio Albuquerque, interpretado por Sinde Filipe. Mas a esta ficção, que tem como protagonistas uma jornalista de investigação (Carla Maciel) e um inspetor da PJ especialista em crimes financeiros (Rúben Gomes) a realidade não escapa. Personagens absolutamente ficcionadas? O vilão Pedro Soares Teixeira (Gonçalo Waddington), para uma cena que aos mais atentos (ou de melhor memória) há de remeter para a história que Jardim Gonçalves contava naquela entrevista em 2010. 

E, de episódio em episódio, irá ganhando sentido o slogan com que a televisão pública está a promover esta sua mais recente produção:«Podia ser verdade, mas é tudo ficção». Para falar sobre o que as separa, Paulo Pena regressa justamente a essa cena inicial do primeiro episódio. «No início, esse vilão, uma personagem completamente ficcionada e que foi aliás a última a ser criada,  aparece a pôr uma bala dentro de um envelope. Isso é tudo ficção». Realidade foi a bala que um banqueiro diz ter recebido um dia.

A partir de referências que poderão levar-nos até meados da década de 1990 até muito perto do ano em que estreia, Teorias da Conspiração conta uma história condensada em semanas e com «um pequeno núcleo de personagens que agiram de uma maneira muito comum»: os banqueiros, os políticos e aqueles que, em círculos restritos, giram à sua volta.

«Se calhar a série desculpabiliza um bocadinho a parte política nesse aspeto, porque os políticos andavam muito atrás desse movimento, não eram dominantes»,  admite Paulo Pena, que assinou o argumento em conjunto com Artur Ribeiro – para a escrita dos episódios contribuíram ainda Cláudia Marques Santos, Carla Baptista, Pedro Vieira, Raquel Ochoa e Rui Tavares.

«Depois há um outro núcleo onde os dois se fundem, que é o dos ex-ministros que passam a administradores, naquela ligação um bocadinho promíscua entre política e economia em que parecia que era preciso ter-se conhecimentos na área política para se singrar na economia e vice-versa. E isso é um problema, é um atavismo. E é uma boa ficção».