PGR passada a pente fino

A nova procuradora-geral da República, Lucília Gago, pouco depois de ter tomado posse como sucessora de Joana Marques Vidal, pediu à PSP para inspecionar a eventual existência de escutas no Palácio dos Duques de Palmela, na rua da Escola Politécnica, em Lisboa, sede da PGR.

PGR passada a pente fino

Mal tomou posse como procuradora-geral da República, Lucília Gago não perdeu tempo: chamou ao seu gabinete no Palácio dos Duques de Palmela, na rua da Escola Politécnica, em Lisboa, sede da PGR, elementos do departamento técnico da PSP, que, com recurso a equipamento eletrónico adequado, ali realizaram uma vistoria para detetar a eventual existência de aparelhos de escuta.

Lucília Gago não ficou à espera que o diabo as tecesse, uma vez que tem experiência de sobra nesta matéria, dado ter sido ela quem dirigiu, em 1994, a investigação ao insólito ‘caso do microfone’ encontrado por acaso neste mesmo gabinete pelo então PGR, Narciso Cunha Rodrigues.

Na altura, todos os cenários foram colocados: é que Cunha Rodrigues liderava uma magistratura que tinha em mãos inquéritos como as fraudes ao Fundo Social Europeu, os casos Ministério da Saúde (que tinham como arguido Fernando Costa Freire, ex-secretário de Estado da ministra Leonor Beleza), o ‘fax de Macau’ (visando o governador Carlos Melancia, próximo do Presidente Mário Soares e do PS), faturas falsas, hemofílicos (compra e uso de sangue contaminado nos hospitais públicos, implicando Beleza e a mãe, Maria dos Prazeres, secretária-geral do Ministério da Saúde), entre outras investigações escaldantes. 

O ‘caso do microfone’

E, claro, Cunha Rodrigues falava frequentemente desses inquéritos com os magistrados do DIAP  (Departamento de Investigação e Ação Penal) de Lisboa.

O caso da descoberta do microfone assumiu tal gravidade que a investigação policial foi entregue por Cunha Rodrigues à Direção Central de Combate ao Banditismo (DCCB) da Polícia Judiciária, liderada por Orlando Romano. E foi também Lucília Gago quem acabou por deduzir acusação contra um técnico de comunicações contratado pela Procuradoria para resolver um problema de linhas telefónicas e que aproveitara a oportunidade para instalar o microfone sob o soalho do gabinete do PGR.

O processo seria arquivado, nessa parte, por falta de provas. Mas o técnico, apanhado em interceções telefónicas montadas pela DCCB, acabou por ser condenado num outro processo juntamente com a dona de uma empresa de rolamentos que lhe pedira para colocar escutas nos aparelhos telefónicos de alguns dos seus funcionários.

‘Barulhos esquisitos’

O caso de Cunha Rodrigues, à época um escândalo nacional que revelou as fragilidades ao nível da segurança das comunicações no topo da hierarquia da Justiça, deixou marcas que foram sendo geridas pelos seus sucessores com maior ou menor discrição. 

Em 2007, Fernando Pinto Monteiro, ocupando o mesmo cargo, abalou também o sistema judicial ao ressuscitar o fantasma, numa polémica entrevista ao SOL, em que afirmou: «Vou dizer uma coisa com toda a clareza, que talvez não devesse dizer: acho que as escutas em Portugal são feitas exageradamente. Eu próprio tenho muitas dúvidas que não tenha telefones sob escuta. Como é que vou lidar com isso? Não sei. Como vou controlar isto? Não sei. Penso que tenho um telemóvel sob escuta. Às vezes faz uns barulhos esquisitos». 

Desta vez Lucília Gago, que herdou processos de grande sensibilidade, como o BES, a Operação Marquês, a Caixa Geral Depósitos e os e-mails do Benfica, não tem para já essa dor de cabeça. A equipa da PSP destacada para o ‘varrimento’ ao seu gabinete não encontrou qualquer dispositivo de escuta.

Estado não tem protocolos de segurança

Aquilo que Lucília Gago fez – chamar de forma preventiva um departamento especializado da PSP para detetar a eventual presença de escutas no seu gabinete – é inédito para funcionários de altos cargos públicos. Na verdade, fontes policiais e ex-governantes contactados pelo SOL afirmam desconhecer a existência de quaisquer protocolos de segurança nesta matéria, quando há mudança de titulares de cargos políticos. No entanto, desde há cerca de 10 anos, altura em que a PSP passou a ter esta capacidade, que o gabinete do primeiro-ministro solicita sistematicamente o ‘varrimento’ eletrónico das suas instalações.

Apenas quando está em causa a suspeita de atentado contra o Estado português é que é habitual fazer um pedido de rastreio de escutas, que é dirigido ao SIS, que dispõe de equipamento adequado para o fazer. Isso aconteceu, por exemplo, em 2014: o então presidente do Instituto de Registos e Notariado, António Figueiredo, que estava a ser investigado e escutado pela PJ no âmbito dos Vistos Gold, chamou o SIS para fazer um ‘varrimento’ de escutas ao seu gabinete – algo que foi considerado até suspeito pelo MP e pelo juiz de instrução, que, quando o interrogaram, após a detenção, consideraram que teria havido uma fuga de informação e que tal tinha sido uma tentativa de obstaculizar o inquérito.

Desta vez, e mesmo não havendo nada previsto em termos de protocolo de segurança do Estado, Lucília Gago preferiu chamar a PSP.