O buraco negro do banco público

Auditoria fez um raio-x à gestão da CGD entre 2000 e 2015 e o SOL foi ver como estavam as contas nesses anos. O cenário não é animador. O buraco começou a aparecer em 2011.

O buraco negro do banco público

José de Matos, que assumiu a liderança da Caixa Geral de Depósitos (CGD) em 2011, chegou a comparar o banco público a um «petroleiro difícil de mover». E os resultados da instituição financeira que, ao longo de vários anos, foram variando entre perdas e lucros mostram isso mesmo. Sob a sua liderança e até sair em 2016, este ‘petroleiro’ apresentou sempre prejuízos – o que coincide com parte das datas que foram auditadas pela EY à gestão do banco público.

 O ex-presidente da CGD chegou a apontar o dedo aos gestores do passado, ao garantir que a instituição financeira tinha vindo a «limpar o balanço», mas a «carga negativa de maus e antigos créditos concedidos nos anos anteriores» ainda não tinha permitido o regresso aos lucros, justificou, na altura, José de Matos.

Desde 2011, quando esta administração entrou em funções, foi obrigada a contabilizar imparidades de cinco mil milhões, relacionadas com operações problemáticas e mau crédito antigo. Durante a sua liderança apresentou prejuízos consecutivos que somaram mais de dois mil milhões de euros.

O cenário negro voltou a repetir-se em 2016. Foi um ano caricato com a nomeação de António Domingues para assumir as rédeas do banco público, que passado quatro meses pediu a demissão. Assumiu funções a 31 de agosto após vários meses de espera para receber luz verde por parte do Banco Central Europeu, substituindo José Matos. Mas acabou por bater com a porta depois da polémica em torno da entrega das declarações de rendimentos e de património exigidas pelo Tribunal Constitucional e, depois disso, esteve envolvido em nova polémica em torno dos sms trocados com o ministro das Finanças.

Aliás, os problemas para o ex-presidente começaram cedo. Desde logo, pelo seu ordenado: iria receber 423 mil euros brutos por ano, um salário mensal na ordem dos 30 mil euros, montante que seria pago em 14 vezes. Este montante representava o salário mais alto de sempre alguma vez pago na Caixa.

A CGD acabou 2016 sem administração e com perdas de 1.859 milhões de euros, depois do reconhecimento de mais de três mil milhões de euros de imparidades. Aliás, foi sobre estes valores que foi negociado com Bruxelas o plano de recapitalização.

Paulo Macedo foi o homem que se seguiu. Assumiu a liderança em fevereiro de 2017 e é com esta administração que o banco público volta aos lucros. Nesse ano a Caixa registou um resultado positivo de 51 milhões de euros. O presidente da administração, Rui Vilar, chegou mesmo a dizer que estes resultados representavam um «sinal de virar de página». Uma declaração que foi ao encontro do que vinha a ser dito por Paulo Macedo, quando admitia que o banco público só teria resultados positivos quando toda a reestruturação fosse materializada.

Em contrapartida, a Caixa comprometeu-se em avançar com «medidas profundas de redução de custos» e com a reestruturação das operações internacionais. Em causa estava a diminuição de 2218 trabalhadores e o fecho de 181 balcões. Ao todo, o banco antecipava uma quebra de 20% dos custos operacionais, de 834 milhões em 2016 para cerca de 720 milhões quatro anos depois.

Anos de ouro

Em 2000, onde começa a análise da EY à gestão da Caixa, o banco lucrou 544,6 milhões de euros. E durante os três anos seguintes o cenário não variou muito. Em 2001, os resultados desceram para os 527 milhões de euros, voltando a subir para os 651 milhões de euros no ano seguinte. Em 2003 voltou a cair para os 560 milhões de euros. 

O início das quedas dos lucros acentuou-se em 2004 e 2005, anos em que os resultados atingiram 307 milhões e 351 milhões, respetivamente. E voltou a ganhar um novo fôlego, a partir de 2006 – quando os lucros se fixaram nos 734 milhões de euros – atingiu um pico em 2007 (856 milhões de euros) mantendo-se em terreno positivo até ao fim do ano de 2010. 

2018 ainda em aberto

Ainda não são conhecidos os resultados finais do ano passado, mas até setembro, a Caixa apresentou lucros de 369 milhões de euros. A instituição financeira liderada por Paulo Macedo veio admitir que este nível de rendibilidade é superior ao que estava no previsto no plano estratégico e que se deve à margem financeira, ao registar um crescimento de 4% face aos primeiros nove meses de 2017, alcançando 546,4 milhões de euros. 

Paulo Macedo garantiu, nessa altura, que o banco quer devolver dinheiro aos contribuintes. No entender do CEO, «essa é a sua obrigação» e «o que está em cima da mesa é como é que esses resultados podem ser distribuídos». Ainda assim, o responsável ressalvou que para isso se verificar são necessários «10 passos», que incluíam desde logo, escolher quais os ativos que poderão ser distribuídos, bem como aprovar uma política de dividendos entre os acionistas, já que «a CGD não vai fazer distribuições pontuais».

Também nessa altura foi revelada a intenção de vender as operações em Espanha e África do Sul, operações que estavam sujeitas a aprovação do Estado e que receberam luz verde em novembro do ano passado, permitindo um encaixe de 565 milhões de euros.

O Executivo acabou por aprovar as propostas do Abanca Corporación Bancaria e da Capitec Bank Limited para a compra de 99,79% da espanhola Banco Caixa Geral e da totalidade da sul-africana Mercantile Bank Holdings Limited à CGD. «Os referidos processos de alienação enquadram-se na execução do plano de capitalização da CGD que prevê, entre outras medidas, a racionalização e maior foco da estrutura internacional do Grupo CGD, desta forma permitindo uma libertação de capital e redução do seu perfil de risco», explicou a CGD quase no final do ano, em comunicado.