Portugal e Angola sem dupla tributação

A proposta para eliminação da dupla tributação, que abrange lucros, salários e até pensões, foi a votos e conseguiu a ser aprovada na Assembleia Nacional angolana

Portugal e Angola sem dupla tributação

A convenção que põe fim à dupla tributação entre Angola e Portugal, na cobrança de impostos sobre o rendimento, foi aprovada pelo Parlamento angolano. Os Governos de Angola e de Portugal queriam eliminar a dupla tributação das pensões e rendimentos de empresas e trabalhadores e o passo que era essencial para o conseguir foi dado. 

Mas afinal o que quer isto dizer exatamente e em que medida a a eliminação da dupla tributação ajuda as empresas, por exemplo? Ao SOL, Rita Tigeleiro Afonso, Sócia da Valadas Coriel & Associados, explica que «uma convenção para evitar a dupla tributação define qual dos Estados tem poder para tributar os lucros e mais-valias de uma dada empresa. Quando ambos os Estados o podem fazer, determina uma limitação de tributação no Estado da fonte dos lucros ou rendimentos com base no estabelecimento estável ao qual os mesmos estão associados ou com base em retenções na fonte a taxas reduzidas».

 Segundo Rita Tigeleiro Afonso, «a convenção aperfeiçoa os mecanismos de crédito de imposto a deduzir no Estado do domicílio fiscal da empresa relativos ao imposto pago sobre os lucros ou rendimentos no Estado donde tais lucros ou rendimentos tiveram origem», sendo que «a convenção veio ainda harmonizar certas definições fiscais gerais criando, assim, maior certeza jurídica». 

Importa ainda referir que, na prática, são eliminados vários entraves fiscais que anteriormente condicionavam as opções dos investidores e potenciais parceiros comerciais, designadamente a dupla tributação das operações realizadas entre Portugal e Angola e a excessiva burocracia de todo o sistema. «Existirá estabilidade fiscal entre os dois países a longo prazo, na medida em que quer o Estado Português quer o Estado Angolano ficarão obrigados a respeitar as taxas reduzidas de retenções na fonte definidas no acordo sobre um significativo número de rendimentos, como sejam dividendos, juros e royalties e a privilegiar a tributação das empresas no Estado do domicílio fiscal destas, exceto quando as empresas possuam um estabelecimento estável no outro estado, conceito que vem também definido na convenção», acrescenta ainda a especialista em Direito Fiscal e Societário. 

No entanto, existem várias formas de olhar para o acordo que foi conseguido e agora aprovado.

A fiscalista Mariana Gouveia de Oliveira, por exemplo, foi das primeiras a levantar a questão quando afirmou que o conteúdo da convenção não choca, mas «é mais favorável a Angola». «A convenção é um passo muito positivo e permite limitar a tributação em certas situações, contudo, não é a convenção mais favorável que Portugal tem celebrado, é aliás bastante menos favorável do que a maioria das convenções que Portugal tem assinado e que estão em vigor, desde logo porque tem uma retenção na fonte de 5% em todos os serviços técnicos», alertou a fiscalista.

Em declarações ao SOL, Rita Tigeleiro Afonso defende que «as empresas angolanas poderão ser mais beneficiadas». Agora, pagam 25% de retenção na fonte sobre os dividendos, juros e royalties. Mas, «com a convenção, passarão a suportar uma retenção na fonte de IRC em Portugal sobre os dividendos de 8% se tiverem 25% ou mais do capital social da empresa portuguesa. Nos restantes casos, 10% sobre os juros e 8% sobre as royalties. Para além disso, as empresas angolanas terão direito a um crédito de imposto sobre o IRC pago em Portugal a deduzir contra o Imposto Industrial em Angola, um benefício que resulta mais difícil e complexo face à lei interna angolana».

E as portuguesas? Rita Tigeleiro Afonso diz que também terão bastantes benefícios. Desde logo, «com a definição de estabelecimento estável da convenção, mais apertada do que a definição da lei interna angolana, passarão a poder manter em Angola certas instalações, estaleiros e armazéns, desenvolver atividades acessórias e auxiliares e mesmo manter certo pessoal sem correr o risco de se considerar terem um estabelecimento estável em Angola».

Outro ponto que ganha especial relevância é o facto de os dividendos pagos por uma empresa angolana a uma empresa portuguesa –  que controle 25% ou mais do capital social da sociedade angolana por 365 dias antes do pagamento – ficarem «sujeitos a uma retenção na fonte do Imposto sobre Aplicação de Capitais Angolano a uma taxa de 8% o que constitui um desagravamento face à taxa atual de 10% aplicável. A mesma taxa de 10% sobre as royalties fica também reduzida para 8%, ao passo que a taxa aplicável aos juros desce de 15% para 10%. Ainda assim, embora em menor medida do que as empresas angolanas, como se vê, as empresas portuguesas irão também beneficiar da convenção quanto a estes rendimentos provenientes de Angola».

Passam ainda a ficar definidos conceitos como o de «’Residente’, isto é, relativamente aos expatriados o acordo vem estabelecer em que país o contribuinte (português/angolano) é tributado».

Um outro ponto que sempre foi referido para defender a proposta prende-se com o facto de pretender «desenvolver» as «relações económicas e reforçar a sua cooperação em matéria fiscal». 

O argumento de instrumento ao serviço do combate da fraude fiscal também foi amplamente usado. E os fiscalistas esclarecem que, «a convenção exige um elevado nível de cooperação entre as autoridades fiscais de Portugal e Angola, implica a criação de mecanismos de troca de informações sobre os contribuintes de ambos os países e dispõe de normas antiabuso fiscal de última geração». O que, dizem, permitirá «proteger a receita fiscal de cada um dos Estados que a assina, combatendo a fraude e evasão fiscal cometidas através de práticas de planeamento fiscal internacional agressivas. Isto é, o acordo significa maior segurança, certeza jurídica e desagravamento fiscal efetivo para os investidores portugueses e angolanos».