Ninho de amor nazi. O que fazer com ele?

Há décadas que está ao abandono. Tentaram vendê-la várias vezes, mas sem sucesso. Agora a casa de campo do responsável pela propaganda nazi volta ao centro do debate: O que fazer com ela? Vender, destruir ou fazer um museu.

Os alemães sempre se confrontaram com dúvidas sobre como lidar com o passado nacional-socialista e as suas barbaridades e, em pleno século XXI, esse legado histórico continua a assombrar a Alemanha. Desta vez é a mansão de Joseph Goebbels, antigo ministro da Propaganda de Adolf Hitler, junto ao lago Bogensee, nas proximidades de Wandlitz, nos arredores da capital alemão. Há 15 anos que o município berlinense tenta sem sucesso vender o ninho de amor de Goebbels – uma última tentativa aconteceu em dezembro – e o erário público tem sentido as consequências: por ano, a manutenção da casa custa um milhão de euros. Não se sabe muito bem o que fazer com ela; no debate, três propostas estão em cima da mesa: vendê-la a um preço mais barato, reabilitá-la para a transformar num museu e, por último, a pura e simples demolição. Todas as propostas têm riscos e a decisão não parece ser fácil para as autoridades.

Vender a casa tem o perigo de não se saber quem poderá ser o eventual comprador, que porventura a poderá transformar num símbolo de glorificação do passado nacional-socialista; a reabilitação é simplesmente demasiado cara – 100 milhões de euros – e a sua transformação coloca a questão do conteúdo do museu: como apresentar essa parte da História sem a glorificar? Sem a transformar num fenómeno de atração para os nostálgicos desse tempo e simpatizantes da ideologia nazi? Demolir a casa poderia ser a solução mais fácil, mas levantam-se dúvidas sobre se não seria uma forma de relegar para longe da vista os crimes dos nazis e um período da História alemã. Em relação a esta última opção há precedentes: a mansão Carinhall, de Hermann Göering, antigo Ministro da Aviação da Alemanha e um dos mais próximos de Hitler, na floresta de Schorfheide, também na periferia de Berlim, foi demolida.

A história da casa acompanha a história da Alemanha no século XX, pois, com a ocupação soviética, as autoridades da Alemanha de Leste usaram parte dos seus terrenos para construir um vasto complexo de edifícios para centro de treinos para a juventude do Partido Comunista, doutrinando a juventude alemã à boa moda do estalinismo. E, quando dignitários de países irmãos – Vietname, Cuba e Angola – visitavam a República Democrática da Alemanha, ficavam lá hospedados. A casa chegou até a ser convertida em supermercado para satisfazer as necessidades dos jovens comunistas. Mas com a queda do muro e reunificação alemã ficou relegada ao abandono.

A mansão tem 70 quartos, uma sala de cinema privada, ou não fosse Goebbels o responsável pela cinematografia nazi, um enorme refeitório e, para segurança do dirigente, um anexo onde uma unidade das SS, as forças especiais do regime de Hitler, podia ficar. Num regime totalitário, o poder traz também dinheiro e Goebbels não olhou a meios para construir um pequeno império privado para si: tinha mais duas mansões em Schwanenwerder e em Berlim, um iate e vários carros de luxo. A sua família beneficiava desses privilégios, com os seus seis filhos a brincarem nos pátios da mansão campestre e nos quartos. Mas muitas das vezes, Goebbels usava-a como refúgio da família, aproveitando para escrever aí alguns dos seus discursos, um dos quais o da “Guerra Total”, no que apelou, em 1943, ao povo alemão para lutar até às últimas consequências.

Além disso, a casa servia a Goebbels como ninho de amor ou, melhor, de predador. Era aqui que Goebbels satisfazia os seus desejos sexuais, aproveitando o seu papel na indústria cinematográfica nazi. Prometendo carreiras a jovens atrizes ou forçando belas mulheres a ceder aos seus desejos por medo da mão dura de um dos regimes mais cruéis da história da Europa.

A casa foi-lhe oferecida pela administração de Berlim como prenda no seu 39.º aniversário, em 1936. O cargo que o dirigente nazi detinha, permitia-lhe fazer muitos castings de sofá, com ou sem carreiras a prometer. Goebbels era baixinho (tinha apenas 1,50 metros) e coxeava, com o seu rosto a não ser de longe o mais atraente. Todavia, agia como um galã de cinema, atribuindo o seu sucesso com as mulheres ao seu charme e não ao medo e ao poder que detinha para destruir vidas num estalar de dedos, enviando as suas vítimas para campos de concentração. Todavia, as mulheres que privavam com ele com frequência, sobretudo as funcionárias do Ministério da Propaganda, deram-lhe a alcunha de «cabra tarada». As aventuras sexuais de Goebbels terminaram quando a mulher, Magda, o ameaçou com o divórcio se não parasse de ter casos. O dirigente, que prezava a sua posição no regime mais do que tudo, aceitou, depois de ponderar sobre as consequências de um escândalo que poderia abalar a moral do regime. Goebbels acabaria por se suicidar com a mulher no bunker de Hitler quando as tropas soviéticas estavam prestes a conquistar Berlim, em maio de 1945. Antes de se juntar ao marido para engolir a sua cápsula de cianeto, Magda matou os seis filhos com esse veneno enquanto dormiam. Não queria que vivessem num mundo sem nacional-socialismo.

Hoje a casa está longe dos tempos de glória, não há aquecimento, água, as fachadas estão danificadas mostram rachas estão criticamente danificadas, o telhado está a cair, mas ainda pode ser restaurada e transformada em campus ou em hotel. Birgit Möhring, diretora-executiva da agência imobiliária do município de Berlim, gostaria de ver a casa cheia de história transformada em algo que tivesse um “conceito inteligente”, como disse à AFP.