Macron aposta na repressão

Em vésperas de mais um sábado de protestos dos coletes amarelos, o Parlamento francês começou a discutir uma lei que pode violar o direito dos franceses à manifestação.

Macron aposta na repressão

O Palácio do Eliseu não se tem poupado nos esforços para enfraquecer o movimento dos coletes amarelos, que há mais de dois meses sai todos os sábados à rua em França. É a maior crise política da Presidência de Emmanuel Macron e não dá sinais de abrandar, com uma greve geral, convocada pela central sindical CGT, já agendada para esta terça-feira, 5 de fevereiro. Uma união há muito temida por Macron: coletes amarelos a marcharem lado a lado com os coletes vermelhos. Hoje, os coletes amarelos voltam à rua para mais um sábado de protestos e é de esperar mais violência. E Macron apostou na repressão. 

No final desta semana, o Parlamento francês começou a debater uma lei que há muito estava a ser preparada. A proposta legislativa endurece as sanções – multa de 15 mil euros ou pena de prisão – a quem, em protestos, use máscaras, capacetes e lenços que impeçam a identificação, proibindo indivíduos «particularmente perigosos» de participarem nas manifestações. Quem tenha estado envolvido em atos violentos nas manifestações será colocado numa lista policial e banido de quaisquer protesto, com os governadores civis – e não os juízes – a terem o poder de impor essa sanção. Uma cláusula que poderá violar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nomeadamente o seu direito à manifestação. 

A lei foi debatida esta quarta-feira na Assembleia Nacional e recebeu o apoio da maioria dos deputados, originando um acalorado debate no hemiciclo e levando a acusações de «autoritarismo» contra o Governo de Macron e de ameaçar as liberdades civis dos franceses. «Para onde estamos a caminhar? Podemos pensar-se que regressámos ao regime de Vichy [que colaborou com os nazis na França ocupada na II Guerra Mundial]», disse o deputado Charles de Courson, do partido União dos Democratas, Radicais e Liberais, criticando o impedimento de cidadãos poderem protestar nas ruas. 

Há também quem, dentro das fileiras do partido de Macron, o República em Marcha, veja a proposta de lei como atentatória dos direitos fundamentais dos cidadãos. «Quem somos nós para proteger o Estado de Direito se estamos a enfraquecer os seus princípios essenciais e fundamentais?», questionou um deputado do partido de Macron. Espera-se que a lei seja aprovada na próxima semana.

A lei foi debatida num momento em que a sociedade francesa começou a questionar a ação da polícia nas manifestações, acusando-a de uso excessivo de força. Nos dois meses de manifestações, foram registados ferimentos em pelo menos dois mil manifestantes – há quem garanta que o número verdadeiro é duas vezes mais – e 1200 polícias. Entre os manifestantes, há pelo menos 82 pessoas que ficaram com lesões graves, algumas para o resto da vida. Pelo menos dez adolescentes perderam a visibilidade de um dos olhos ou tiveram fraturas no maxilar ou na zona frontal do crânio. Um fotojornalista ficou com um joelho fraturado por causa de uma bola de borracha disparada pela polícia. Um dos casos mais conhecidos é o de um dos líderes dos coletes amarelos, o lusodescendente Jérôme Rodrigues, que perdeu um olho.

Ao contrário das suas congéneres europeias, a polícia francesa usa granadas de gás lacrimogéneo com cargas de TNT no interior (GLI-F4) que, ao rebentar, espalham fragmentos que ferem quem estiver nas proximidades. Também recorre a armas que disparam bolas de borracha (LBD de lançador de bolas defensivo). São consideradas armas não-letais, mas que deixam marcas. 

No entanto, o Conselho de Estado, o mais alto órgão judicial consultivo em França, recusou ontem a proibição destas armas. Os especialistas, explica a France 24, criticam duramente a atuação da polícia, acusando-a de agravar a tensão. 

A estratégia de Macron

Ao silêncio inicial nas primeiras semanas dos protestos, Macron reagiu depois com palavras de concórdia e de compreensão, cedendo em algumas cedências do movimento – aumento do salário mínimo, por exemplo. Mas quando o movimento se começou a dividir entre a via do diálogo e a da continuação dos protestos, Macron voltou a acirrar os ânimos ao dizer que alguns dos manifestantes eram uma «multidão odiosa» e a «negação da França» – atribuindo a violência a uma minoria. Só que as palavras foram recebidas como se fossem para todo o movimento. «Não podemos trabalhar menos, ganhar mais, cortar impostos e aumentar a despesa», disse Macron. Os coletes amarelos contestam o aumento do custo de vida e a perda de direitos laborais e sociais. 

O novo ano manteve os protestos, agora com uma força renovada. A repressão policial e a violência nas ruas continuaram, com cada vez mais feridos e carros e montras de lojas vandalizadas – a repressão policial é tão dura que até nas forças de segurança estão a surgir vozes críticas. Para tentar sanar as divergências na sociedade, Macron avançou com a organização de um debate nacional para se redigir um «novo contrato para a nação». Tentou mostrar abertura e um espírito dialogante, mas a adesão não foi a esperada. 

Depois, Macron impulsionou a criação do movimento «lenços vermelhos», com o objetivo de servir de contramanifestação crítica aos métodos e à violência dos coletes amarelos. No domingo passado, umas dez mil pessoas com lenços vermelhos marcharam em Paris.