«É desumano o que se passa na urgência de Leiria»

Médicos do Hospital do Santo André fazem denúncia sem precedentes à Ordem.

Cerca de 40 médicos do Hospital de Santo André, em Leiria, enviaram à Ordem dos Médicos declarações de responsabilidade onde denunciam a falta de condições na urgência, que este inverno já fizeram com que houvesse doentes 12 horas à espera de observação. Carlos Cortes, presidente da Secção Regional do Centro da Ordem, fala de uma denúncia a uma escala «inédita», que estão a acompanhar com preocupação.

«Chegaram-nos relatos de turnos em que havia dois médicos para 92 doentes. Não estamos a falar de doentes com amigdalites ou pequenas urgências», diz ao SOL Carlos Cortes. «Quando temos doentes que só são observados ao fim de 12 horas, ninguém de boa fé pode dizer que as pessoas estão a receber cuidados de qualidade e em segurança. Estamos a falar de doentes que se não estiverem controlados correm risco de vida. É desumano o que se está a passar, para  doentes e profissionais.»

Cortes reconhece que os problemas nesta unidade não são de agora, mas vê no volume de denúncias um sinal de alarme. Na próxima segunda-feira vão entregar as declarações à tutela, a quem atribuem parte da responsabilidade. Isto porque em 2016 o Governo autorizou que o centro hospitalar passasse a receber a população do concelho de Ourém, que até então era encaminhada para Torres Novas, o que implicava uma deslocação de mais 40 km. O problema é que o acréscimo de 45 mil utentes na área de influência do hospital não foi acompanhado de um reforço de recursos humanos, diz Carlos Cortes. «A tutela geriu mal o processo e a administração tem deixado arrastar a situação», acusa. «De todas as urgências que conheço, esta é pior e ninguém em consciência pode permitir que esta situação se mantenha. Este período da gripe fez despoletar as queixas mas isto não é um problema de janeiro.»

 

Hospital diz que problema são as falsas urgências

Questionado pelo SOL, o centro hospitalar reconheceu dificuldades acrescidas nos últimos dias, mas traça um cenário diferente, indicando que a sobrecarga nas urgências tem estado a demorar, acima de tudo, a resposta a doentes não urgentes, que representam 40% dos atendimentos. «Esta foi uma situação, atípica e não previsível, que teve origem num grande afluxo de doentes num curto espaço de tempo, sobretudo não urgentes, que poderiam ser atendidos noutro nível de cuidados», diz o hospital, garantindo que há um reforço das equipas no âmbito do plano de contingência, o que permitiu uma «rápida estabilização da situação».

O SOL tentou perceber se há pedidos de contratação pendentes e quantos. Na resposta, a unidade não dá dados concretos mas refere conhecer as dificuldades por que passam os profissionais. E atira a bola para o Ministério: «O conselho de administração (…) tem tentado agilizar junto da tutela para que seja possível dotar este centro hospitalar dos meios humanos de que necessita para responder adequadamente aos 400.000 utentes da sua área de influência». O SOL tentou  ter uma reação do gabinete de Marta Temido, sem sucesso.

Ontem, no portal de tempos de espera do Ministério da Saúde, os indicadores do Hospital de Santo André mostravam um tempo de espera elevado para doentes urgentes (40 minutos quando está previsto o atendimento em dez), mas de resto a situação estava dentro do normal. Carlos Cortes admite que os doentes possam até ser chamados uma primeira vez dentro dos tempos previstos, mas explica que muitas vezes o problema está no tempo entre a primeira observação e o pedido de exames e uma segunda observação para diagnóstico e tratamento – tempo que não é controlado. O médico alerta ainda para uma consequência «perniciosa» que este portal tem estado a ter em alguns hospitais. «As pessoas adaptam-se sempre aos sistemas. A certa altura o que importa é chamar rápido os doentes mesmo que não haja capacidade de dar resposta, para ter melhores indicadores».