Trotinetas & Companhia

No Passeio Marítimo de Algés não vi uma única criança ou jovem a andar a pé – todos iam motorizados.

O MEU PAI teve como médico assistente, durante vários anos, Fernando de Pádua. Famoso especialista do coração, como se sabe, sempre impecavelmente vestido – não abdicando do laço no lugar da gravata – Pádua terminava as receitas com uma frase escrita em letras garrafais: «ANDAR A PÉ!!!».

Andar a pé, para o médico, era não só um bom exercício como um exercício indispensável para os seres humanos se manterem em boa forma. Era uma fonte de saúde. Para Pádua, o andar a pé substituía alguns medicamentos e precavia acidentes cardíacos.

DEVO DIZER que o meu pai não precisava muito dessa recomendação, pois sempre andou muito a pé – por desporto ou por necessidade. Em Lisboa, Paris e Amesterdão, onde viveu, atravessava as cidades a pé, de uma ponta a outra. Como nunca teve carro e não gostava muito de transportes públicos – além de não ter dinheiro para andar sempre de táxi -, metia pés ao caminho, mesmo quando a distância era grande. E ria-se das pessoas que se enfiavam no carro para andar 500 metros.

Nas férias grandes, um dos seus passatempos favoritos era andar a pé pela serra. Quando passávamos férias com ele, em Portugal, Espanha ou França, obrigava-nos a enormes caminhadas que duravam praticamente o dia inteiro.

Embora nessa altura eu nem sempre fosse de boa vontade, hoje recordo com gosto esses longos passeios. E também me rio das pessoas que se recusam a dar dois passos a pé e se metem no carro para andar 500 metros.

JÁ NÃO ANDO pelas serras, mas vou com alguma frequência a Algés, ao Passeio Marítimo, aquele local onde no Verão se realizam festivais de música como o NOS Alive. Faço um percurso de uns 5 Km de Algés à Cruz Quebrada, ida e volta, o que não é nada comparado com as caminhadas da minha juventude. Mas é melhor do que nada.

Essa zona junto ao rio, não sendo bonita, tem o encanto das zonas de fronteira, onde a terra acaba e começa o mar. A areia molhada, a água a bater nas rochas, o cheiro a maresia, o vento fresco na cara, o sol nos dias de frio, tudo isso é estimulante.

NÃO SOU SÓ EU que gosto dessa zona. Aos fins de semana anda por ali muita gente. Até ao ano passado, as pessoas dividiam-se entre peões e ciclistas. Este ano, porém, subitamente, apareceu uma quantidade de novos ‘desportistas’: de trotineta simples ou elétrica, segway com e sem volante (uma pranchazinha movida a pilhas que se comanda com os pés), pequenos carros de pedais ou também elétricos, bicicletas normais ou elétricas, patins vulgares, patins em linha, skates – enfim, uma infindável parafernália de meios de transporte, dos mais rudimentares aos mais sofisticados tecnologicamente.

No último dia em que lá fui, há uma semana, não vi uma única criança ou jovem a andar a pé – todos iam motorizados. E alguns homens maduros também deslizavam pelo asfalto nesses brinquedos, como se fossem crianças. Lembrei-me de Pádua. Dentro em pouco, já ninguém anda a pé! Mesmo quem não se mete no carro, arranja uma geringonça qualquer para o transportar.

AGORA, NA CIDADE de Lisboa, imitando outras capitais do mundo, surgiram umas trotinetas elétricas que as pessoas podem usar gratuitamente. Os ecologistas, os amantes da natureza e outros adeptos do desporto na cidade embandeiraram em arco. Aí está um meio de transporte ecológico. Não poluente. E democrático. Ao alcance de todos.

Mas será mesmo assim? Poderão todos andar nessas geringonças? Poderão usá-las os velhotes, que já têm dificuldade em andar? Ou as senhoras grávidas ou com crianças pela mão ou ao colo? Não. Quem pode usar essas trotinetas elétricas são os jovens, aqueles a quem não fazia mal nenhum andar a pé! Os velhotes, as grávidas, as pessoas com crianças, os que têm dificuldade em deslocar-se – e para quem uma ajuda podia ser útil – não podem usar as trotinetas.

Dito de outro modo: as trotinetas urbanas só servem a quem não precisa delas. 

DESDE O PASSEIO Marítimo de Algés aos passeios e jardins de Lisboa, os jovens – de trotineta, bicicleta, segway, patins ou skate – desabituam-se de andar a pé. Se agora já não dão um passo, como será quando forem velhos? Não sairão de casa. Às vezes, as aparentes boas ideias têm consequências perversas.