Antes desta requisição civil na saúde só tinha existido outra em 1976

Dois hospitais denunciaram nos últimos dias que não estão a ser cumpridos os serviços mínimos na greve cirúrgica dos enfermeiros, um dos motivos que pode ser invocado para decretar a requisição civil, decisão tomada esta quinta-feira pelo Conselho de Ministros, no âmbito da greve cirúrgica dos enfermeiros.

O anúncio foi feito na conferência de imprensa após a reunião do executivo. A medida, segundo a ministra da Saúde não foi decretada “de ânimo leve”. “O governo não teve alternativa”, acrescentou Marta Temido.

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Esta é apenas a segunda vez que é decretada uma requisição civil no setor da saúde. A primeira aconteceu em 1976, numa greve de enfermeiros.

Na altura, a decisão foi assinada pelos ministérios da Administração Interna, da Educação e Investigação Científica e dos Assuntos Sociais, este último titulado por Rui Machete. Contactado ontem pelo i, Machete diz não recordar pormenores, lembrando a reivindicação por aumentos salariais. Quem recorda bem esses tempos é José Azevedo, dirigente do Sindicato dos Enfermeiros, então presidente do comité central da greve.

A greve foi convocada de 12 a 15 de março. Perante ameaças e perseguições aos enfermeiros grevistas, ameaçaram abandonar os hospitais, recorda. “Fizemos um comunicado a dizer que ou havia respeito pelos enfermeiros e pelo seu direito à greve ou abandonávamos os serviços. Dá-se uma cena interessante: a certa altura, o secretário de Estado Albino Aroso comprometeu-se a arranjar voluntários para irem substituir os enfermeiros nos hospitais e vai à televisão dar os telefones para quem se quisesse oferecer, pedir à população para que preenchesse os lugares. Nós agarrámos nos números e oferecemo-nos. Quando percebeu quem eram as pessoas da lista, houve uma crise.” A incerteza levou o governo a decretar a requisição civil a 17 de março, mas José Azevedo diz que acabou por não ter impacto, dado que o protesto viria a ser suspenso. “Conseguiu–se o aumento salarial. Havia na altura categorias que iam do superintendente até ao enfermeiro de segunda classe. O vencimento do mais alto passou para o mais baixo. Foi uma greve muito produtiva e exemplar. Foi a única greve a sério que houve em Portugal depois do 25 de Abril”, considera.

Apesar de não ter convocado a greve cirúrgica, José Azevedo fala de um momento de descontentamento depois de as negociações em torno da revisão da carreira terem sido dadas como concluídas pela tutela. Ontem, em comunicado, a Federação Nacional dos Sindicatos dos Enfermeiros admitiu retomar a greve de zelo a horas extra e cirurgias adicionais que tinha sido suspensa, deixando um recado ao primeiro-ministro. “Não vamos precisar dos préstimos da bastonária dos enfermeiros para levar a greve a bom porto.”

Da parte dos sindicatos que convocam a greve cirúrgica, as denúncias do Hospital de Santo António e do Centro Hospitalar Tondela-Viseu são vistas como uma “atitude concertada” para permitir ao governo avançar com a requisição civil, dando exemplo de hospitais que estão a marcar cirurgias para todos os blocos como se não estivesse uma greve em curso.

O acórdão válido para estes hospitais indicava que os serviços mínimos não abrangem salas operatórias vocacionadas para cirurgias programadas, mas esse entendimento mudou no acórdão emitido esta semana, que incide apenas nas instituições que passam a estar abrangidas pela greve a partir de sexta-feira, os centros hospitalares Lisboa Norte e de Coimbra e o hospital de Setúbal. Os serviços mínimos passam a ter de dar resposta a todas as urgências e doentes prioritários.

Ao longo das últimas décadas, o recurso à requisição civil verificou-se sobretudo no setor dos transportes, mas também já foi aplicado em greves na justiça.