Porquê algemar Armando Vara?

Não tenho simpatia por Armando Vara – que, como é público, tudo fez para fechar o SOL -, mas não consigo perceber qual a necessidade de o algemar e de o expor assim publicamente, nem tão pouco a total ausência de indignação por tal exposição.

Há pouco mais de uma década, gerou polémica internacional a forma como a CIA tratava presumíveis terroristas, desde logo por transportá-los acorrentados nos voos de Oriente para Ocidente, para Guantánamo e outras prisões de alta segurança.

Com os Estados Unidos ainda de arraiais assentes nas Lajes, a polémica alastrou-se a Portugal, por via de tais voos atravessarem espaço aéreo nacional ou por se admitir que a base aérea açoriana estivesse a ser utilizada para escalas técnicas de reabastecimento de aviões utilizados no transporte de tais prisioneiros.

As imagens dos prisioneiros acorrentados e nos seus uniformes cor de laranja eram passadas vezes sem conta nas televisões e as denúncias e ataques à violação dos direitos humanos viraram causa internacional.

A coisa atingiu tais proporções que uma das bandeiras da candidatura de Barack Obama na sua primeira corrida à Casa Branca foi o compromisso do desmantelamento da prisão norte-americana na baía cubana. 

Uma promessa que nunca cumpriu. Nem no primeiro nem no segundo mandato. Obama esteve oito anos na Casa Branca, Trump já lá está há mais de dois, e a prisão de Guantánamo lá continua.

Claro que as imagens de Guantánamo já não passam em lado nenhum e a causa perdeu-se no tempo. É como tudo. Fenómenos passageiros que ganham proporções desmedidas da mesma forma que se perdem e as perdem, até ao esquecimento.

Vem isto a propósito da imagem de Armando Vara, amplamente divulgada esta semana, transportado algemado do Estabelecimento Prisional de Évora para o tribunal lisboeta onde corre a instrução da Operação Marquês, para prestar testemunho a favor da filha.

Não tenho simpatia por Armando Vara – que, como é público, tudo fez para fechar o SOL -, mas não consigo perceber qual a necessidade de o algemar e de o expor assim publicamente, nem tão pouco a total ausência de indignação por tal exposição.

Ninguém achou estranho? 

Ninguém reagiu perante tamanha falta de consideração e falta de respeito pela dignidade humana? 

Ou será que, por se tratar de um político, ex-ministro, condenado, deve o mesmo ser publicamente humilhado e vexado?

Será que só eu acho estranho?

O Parlamento Europeu emanou há um par de anos uma diretiva que impede o uso abusivo de algemas em suspeitos da prática de crimes, por tal ato, por si só, ser atentatório do princípio da presunção de inocência que deve presidir ao ordenamento jurídico-penal de qualquer estado de Direito.

E o uso de algemas, seja em suspeitos, seja em condenados, deve ser exclusivamente fundamentado na perigosidade ou no risco de comportamento violento do detido ou recluso ou na resistência a acatar as ordens das autoridades ou ainda na iminência de fuga.

Armando Vara apresentou-se voluntariamente no Estabelecimento Prisional de Évora para cumprir a pena de prisão a que foi condenado e dentro dos prazos estipulados pelo tribunal de Aveiro, que o condenou.

Ora, devendo afastar-se a hipótese de fuga e não se lhe conhecendo nenhuma reação de resistência ou de violência, por que razão Armando Vara aparece algemado?

Repito, Armando Vara é pessoa que não me merece simpatia, antes tenho dele opinião crítica e desabonatória quer enquanto ministro da República – de que acabou afastado na sequência do caso da Fundação Prevenção e Segurança – quer enquanto administrador da CGD e do BCP – onde manifestamente tomou decisões de gestão, no mínimo, questionáveis.

Mas não é pelo facto de Armando Vara não ter sido um político ou um gestor ou banqueiro escrupuloso que não deve ser tratado com dignidade, independentemente da sua condição de condenado e de recluso.

É certo que as normas relativas ao transporte de presos condenados e em cumprimento de pena de prisão efetiva determinam que, por regra, devem ser algemados. Daí que os guardas prisionais que transportaram Vara não pudessem ter feito outra coisa. 

Mas a lei atribui ao diretor do estabelecimento prisional o poder de determinar que o recluso possa ser transportado sem ser algemado.

Ora, no caso, e bem se sabendo do festival mediático montado, não havia necessidade!

Ai da Justiça que não defende a dignidade humana…

E ai da sociedade que se conforma ou, eventualmente, até aplaude comportamentos tão primários e mesquinhos…