Na Venezuela, a guerra agora é de propaganda

O Governo de Maduro lançou uma campanha internacional para atrair investimento, a oposição de Guaidó fez em vídeo o retrato da miséria para atrair ajuda humanitária.

A Venezuela são dois países, que partem da mesma premissa das riquezas naturais e potencialidades mas acabam por enviar duas mensagens completamente distintas: num lado, estão os meios de produção para a autossustentabilidade, só falta o investimento; no outro estão as riquezas à partida e a miséria a que 20 anos de revolução bolivariana deixaram o país.

Essa é a conclusão a que se pode chegar dos dois vídeos criados por Governo e oposição na Venezuela para sustentar a sua visão da conjuntura e arranjar apoios externos para a sua causa. O do Governo é, logicamente «a Venezuela tem tudo para gerar uma base sólida de uma economia própria, produtiva e antes de mais produzir o alimento e a autossustentação em termos de matéria-prima», como refere Maduro que faz a voz off do vídeo de 39 segundos.

O retrato da oposição, feito num vídeo de 1m39s projetado na quinta-feira na Conferência Mundial da Crise Humanitária na Venezuela, é de uma «terra de oportunidades» perdida para a «pior crise humanitária dos seus 200 anos de história republicana», um país com as maiores reservas de petróleo do mundo convertido num lugar de «onde as pessoas fogem por fome e doença».

David Smolansky, coordenador do Grupo de Trabalho para os Migrantes e Refugiados da Organização de Estados Americanos, e um dos quatro representantes em Washington de Juan Guaidó, o presidente da Assembleia Nacional que se autoproclamou Presidente interino da Venezuela, escreveu no Twitter que a sessão de apresentação correu bem: «Histórico apoio o que conseguimos para a Venezuela. Agradeço às delegações do Reino Unido, Alemanha, Holanda, Canadá, Estados Unidos e Argentina.»

Ao mesmo tempo, nesta guerra de propaganda e de busca de apoio internacional para a sua causa, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jorge Arreaga, surgia num palco de maior visibilidade, as Nações Unidas, para divulgar que o Governo da Venezuela recebera o apoio de meia centena de países contra as ações dos Estados Unidos para derrubar o Presidente Maduro.

«Todos nós temos o direitos de viver sem a ameaça do uso da força e sem a aplicação de medidas unilaterais coercivas», afirmou Arreaga aos jornalistas em Nova Iorque. «Somos um grupo importante de países que tem a certeza que a maioria dos membros desta organização partilham os mesmos interesses», acrescentou.

A seu lado, Arreaga tinha um grupo de embaixadores, onde se incluíam os da Rússia e da China, dois dos cinco membros com assento permanente e poder de veto do Conselho de Segurança da ONU. E numa demonstração de que o Governo venezuelano está no meio de uma ofensiva de charme internacional para a sua causa, o ministro dos Negócios Estrangeiros acrescentou que irá «iniciar uma série de ações para aumentar a consciencialização sobre os perigos que os nossos povos atualmente enfrentam».

Depois de três semanas em que Guaidó dominou o fluxo noticioso, o Governo de Maduro atacou esta semana em força, com o Presidente a dividir-se em entrevistas de grande impacto internacional, à BBC, Associated Press, Euronews. Aproveitando, na conversa com a agência americana, para revelar um encontro secreto com representantes de Donald Trump. Maduro referiu que Arreaga se encontrou com representantes da administração norte-americana em Nova Iorque e aproveitou para convidar Elliott Abrams, enviado especial dos EUA para a Venezuela, a visitar o país «privadamente, publicamente ou secretamente». A Casa Branca não desmentiu as afirmações do chefe de Estado venezuelano.

Sentindo que Guaidó, apesar de reconhecido como Presidente interino por mais de meia centena de países, está a perder o momentum, Maduro até se permitiu um momento de soberba na entrevista à Euronews, garantindo que o seu opositor «falhou completamente» a tentativa de o depor.

Em entrevista ao Guardian, Guaidó considerou as afirmações de Maduro e do Governo como propaganda e ilusão: «Arriscaria em dizer que a mudança na Venezuela é irreversível». Uma frase cujo tom difere um pouco da outra com que Guaidó complementou o seu raciocínio e que coloca as coisas mais como possibilidade e menos como certeza: «Nunca na Venezuela tivemos uma oportunidade tão grande para conseguir uma mudança democrática».

Para Maduro, a «oportunidade» é outra, a de desmontar «as mentiras» ditas pela oposição através de uma estratégia global de promoção de uma nova marca para o país: Venezuela Aberta ao Futuro. Segundo Maduro, no lançamento da campanha em Caracas, chegou «o momento para que os telejornais mostrem um pouco da luz que brilha na Venezuela».

Entretanto, Elliott Abrams foi ouvido esta semana no Congresso dos EUA sobre a questão venezuelana, mas acabou no olho do furacão quando a congressista Ilhan Omar lembrou que ele se tinha declarado culpado, em 1991, de ter omitido informação no caso Irão-Contras: «Por que razão os membros deste comité ou o povo americano devem considerar que o testemunho que está aqui a dar hoje é verdadeiro?».