Mulheres portuguesas em passo de corrida

Muito do mais relevante que se tem passado na sociedade portuguesa é feminino

Mulheres portuguesas vivem em passo de corrida e sem tempo para elas – é o título de uma notícia de um jornal diário que rendeu 50.000 partilhas nas redes sociais. A notícia vinha a propósito da apresentação do estudo ‘As mulheres em Portugal, hoje: quem são, o que pensam e como se sentem’, apresentado esta semana pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Foi preciso chegarmos a 2019 para que o tema das mulheres entrasse nas agendas mediáticas do mundo e também de Portugal. Quando uma notícia gera dezenas de milhar de partilhas, é porque o assunto é muito importante para muita gente. É porque deixou o gueto, o nicho e se tornou mainstream.

Quando, há dez anos, me afirmei feminista e publicamente me envolvi na luta pelos direitos das mulheres, sobretudo na política, ainda estávamos na fase em que homens e mulheres perguntavam por que haveriam de estar as mulheres na política. Se a pergunta já era má e capciosa, a resposta era a pior: porque as mulheres traziam uma «sensibilidade» e uma «qualidade maternal» que fazia a «diferença», que é exatamente igual ao argumento racista de que os negros «dançam melhor» ou «correm mais».

São argumentos que nos deixam no gueto e que perpetuam os preconceitos de género e de raça. As mulheres têm o direito de participar igual aos dos homens. E não é porque possuam alguma característica ou qualidade distintiva, é porque são metade da população. Simples.

Em dez anos mudou muita coisa, sendo que o movimento Me too foi o momento mais relevante da luta pelos direitos das mulheres. Práticas sistemáticas e enraizadas de abuso das mulheres, nomeadamente em contexto laboral e de relações de poder, foram finalmente denunciadas, rechaçadas e combatidas.

O estudo mostra mulheres sem partilha de tarefas na frente doméstica; e muito pior remuneradas na frente laboral, sendo que a conclusão é a de que a situação em que vivem as mulheres portuguesas é «insustentável a vários níveis».

Apesar de as conclusões do estudo serem as esperadas, e apesar do elevadíssimo número de mulheres vítimas de violência doméstica e assassinadas, apesar de tudo, algo se move na sociedade portuguesa.

Muito do mais relevante que se tem passado na sociedade portuguesa é feminino. Foi uma mulher, Cristina Ferreira (comunicadora), que mudou o panorama mediático, com a sua transferência e triunfo nas manhãs da SIC – que lançou essa estação de TV para a liderança. Foi uma mulher, Joana Amaral Dias (ativista política), que, na CMTV, divulgou o relatório da CGD e pôs o país a falar de devedores. É Ana Leal (jornalista) que, na TVI, divulga casos graves de corrupção. É Ana Rita Cavaco (bastonária da Ordem dos Enfermeiros) que representa a classe profissional em colisão com o Governo.

E todas são, sem exceção, alvo dos mais soezes e sistemáticos ataques baseados na sua aparência e aspeto.

Devagar o país está a mudar. Tem de mudar mais depressa. Partilhem esta ideia.

sofiarocha@sol.pt