Economistas desvendam relatório da OCDE

Os economistas ouvidos pelo SOL não se mostram surpreendidos pelas sugestões dadas pelo organismo em relação à economia portuguesa. As opiniões dividem-se entre coerência e a incapacidade de execução.  

Aumentar os impostos sobre o gasóleo e sobre o IVA da restauração são algumas das recomendações da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) depois de analisar a economia nacional e que constam no ‘Economic Survey da OCDE – Portugal 2019’, divulgado esta semana. Mas a reação imediata do Governo foi dizer que são propostas que o Executivo «não tem necessariamente que seguir», disse Pedro Siza Vieira.

Para a instituição liderada por Angel Gurría, os impostos sobre combustíveis continuam a ser mais baixos para o gasóleo do que para a gasolina, apesar de ser o gasóleo que produz geralmente mais emissões relevantes para a poluição do ar. E o organismo lembra que o Governo subiu em dois cêntimos por litro o imposto sobre o gasóleo e desceu em dois cêntimos por litro o imposto sobre a gasolina no início do ano. «Este processo de convergência tem ainda algum caminho a percorrer, uma vez que o diferencial de imposto entre a gasolina e o gasóleo continua acima de 20 cêntimos por litro», afirma. Ao mesmo tempo, defende que é necessário promover a utilização dos transportes públicos e soluções de transporte partilhado. 

Angel Gurría chamou ainda a atenção para o facto de Portugal ter demasiadas isenções fiscais e taxas reduzidas, nomeadamente no IVA e, como tal, defende que o nosso país deve minimizar estas situações e alargar a base tributária. «O recurso a isenções e taxas reduzidas nos impostos sobre o consumo estreita a base tributária e deve ser minimizado», diz defendendo que, o rácio entre a receita potencial do Imposto sobre o Valor Acrescentado e a efetivamente cobrada deve ser inferior à média da OCDE.

Em Portugal, aquele rácio fica-se pelos 49% contra os 56% da média dos países que integram a OCDE. No Luxemburgo e na Nova Zelândia a receita efetiva representa, respetivamente,  92% e 95% da receita potencial.

Entre os exemplos de taxas reduzidas que vigoram em Portugal, a OCDE aponta o caso da restauração, cuja descida de 23% para 13% em 2016, além de ter «estreitado a base tributária», é uma medida que acaba «por favorecer as famílias de maiores rendimentos e mais propensas a consumir refeições em restaurantes». «Além disso, a experiência de outros países, como França, sugere que o impacto de medidas deste género no emprego é modesto», acrescenta o relatório produzido pelo organismo liderado por Angel Gurría.

Ainda no que diz respeito à matéria fiscal, o documento sublinha que a redução da capacidade de arrecadar impostos sobre o consumo, como o IVA, é de evitar, «uma vez que estes impostos são menos prejudiciais ao crescimento económico do que os impostos sobre o rendimento e sobre os lucros».

Promover exportações
De acordo com a OCDE,  Portugal deve manter a consolidação orçamental gradual para reduzir a dívida pública e continuar a promover as exportações. O documento reconhece que as condições económicas em Portugal «melhoraram significativamente», mas admite que «o elevado peso da dívida continua a limitar a capacidade do Estado para fazer face a futuros choques económicos». A organização aconselha a «melhorar a sustentabilidade orçamental e a estabilidade financeira»,  bem como «manter a consolidação orçamental gradual, a fim de garantir a redução da dívida pública».

Sobre as exportações, a OCDE frisa que a economia portuguesa «é ainda menos orientada para o exterior do que muitas outras pequenas economias europeias» e, por isso, «o desempenho das exportações pode ser melhorado através de políticas que permitam aos exportadores inovar e crescer mais».

E apesar de a economia portuguesa ter voltado aos níveis anteriores à crise e da taxa de desemprego ter descido 10 pontos percentuais desde 2013, estando agora abaixo dos 7%,  a OCDE admite que «a crise deixou as suas marcas, que se refletem na ainda elevada taxa de pobreza da população em idade ativa e na perceção de bem-estar subjetivo, inferior aos níveis antes da crise», lembrando ainda que a taxa de desemprego de longa duração se mantém «comparativamente elevada, sobretudo entre os trabalhadores qualificados».

António Bagão Félix

António Bagão Félix, um dos economistas ouvidos pelos SOL,  considera que se trata «de um documento interessante, embora não original. Bom relatório de consulta, mas que, como habitualmente, formula ‘sugestões de gabinete’. Em todo o caso, no domínio da justiça e do combate à corrupção são apontadas algumas medidas interessantes para aumentar a eficiência da justiça e a racionalidade das decisões empresariais. Mas não deixa de ter significado a ‘censura’ do Governo e a anuência do diretor-geral da organização a alguns pontos relativos ao estado da corrupção em Portugal que é, de facto, um grave problema que afeta a nossa credibilidade». 

Já em relação a um possível aumento do IVA da restauração ou no preço do gasóleo, Bagão Félix evidencia que sempre criticou a «diminuição do IVA da restauração, em detrimento da diminuição em bens e serviços essenciais, como o da eletricidade. Assim se perdeu receita fiscal compensada por agravamentos de outros impostos indiretos (e não só). Quanto ao aumento de impostos sobre os combustíveis, acho um disparate. Aliás, é típico de organizações que lá do alto da sua distância e frias tecnicalidades têm sempre à mão de semear a sugestão de aumentar impostos para ‘resolver’ problemas». 

Bagão salienta que «são bem-vindos estes avisos, até para que as forças políticas não olhem apenas para o curto-prazo».

João César das Neves

João César das Neves dúvida que, algumas das sugestões feitas pela OCDE, sejam bem recebidas pelo Governo. Uma dessas medidas diz respeito ao aumento do IVA na restauração, ao lembrar que essa foi uma das promessas da campanha eleitoral do PS. «Grande parte dessas alterações foram feitas por razões eleitorais e foram resultado de uma grande pressão por parte de um grupo de interesses», diz ao SOL, lembrando que, «nessa altura, quando o Governo cedeu à pressão foram alertados por vários economistas que a redução do IVA para 13% iria ter impactos económicos e que a promessa de reduzir preços ou aumentar trabalhadores iria ser dificilmente cumprida». 

Em relação à previsão do organismo que aponta para um crescimento de 2% do produto interno bruto (PIB) até 2020, o economista admite que isso é uma «previsão conservadora» e que vai ao encontro do que já acontece atualmente. Mas lembra que os riscos já são visíveis e, como tal, poderão comprometer essa meta. «Se os riscos continuarem a subir então é natural que essa previsão derrape». E garante que Portugal está à beira de uma recessão: «A recessão poderá não ser drástica este ano, mas vai acontecer e aí é capaz de ficar abaixo desse valor», afirma ao SOL. César das Neves não tem dúvidas: «Vamos ter outra vez uma crise. Será a quarta crise neste século e com os nosso sinais de fragilidade a coisa pode ser muito assustadora».

Eduardo Catroga

O relatório também foi analisado por Eduardo Catroga que, ao SOL, esclarece que se trata de, «como é timbre, uma análise de qualidade. As remodelações que faz quanto ao aprofundamento das reformas são consensualizadas». Para o economista, as «propostas são coerentes. É precisa uma reforma profunda, acabar com as taxas e taxinhas. É preciso uma reforma amiga das empresas, da poupança e do financiamento. Defendo uma reforma profunda do sistema fiscal, até mais amigo do ambiente».

Sobre as perspetivas de crescimento, Eduardo Catroga diz que «Portugal ficou na cauda do crescimento. Nós crescemos menos do que a Espanha, a Polónia, a Hungria, etc. Temos de ver como vamos aumentar o crescimento económico e é preciso uma reforma profunda, como já disse. Mas temos um problema político. Têm de acreditar que Portugal tem de ser vencedor num contexto de globalização». 

Em relação a outro que mereceu considerações por parte da OCDE, Catroga destaca que «a dívida estava, em 1995, em 58%. A partir de 2000, com o Governo de José Sócrates, atingiu o ponto mais alto. O processo de redução vai agora demorar décadas. Em 20 anos, passámos para 125% e é preciso não esquecer que contámos com receitas de privatizações e extraordinárias. Houve uma indisciplina financeira e a dívida entrou na zona vermelha.» 

Ferraz da Costa

Para Pedro Ferraz da Costa, a redução do IVA na restauração «foi um disparate», mas ainda assim, admite que «não se pode andar sempre a mexer na carga fiscal», tanto que isso envolve centenas de milhões de euros por ano, diz ao SOL. 

No entanto, apesar de não querer constantes alterações, o economista reconhece que é necessário rever a tabela e defende o aumento da taxa máxima – por exemplo, para 25% – e reduzir quase a 0% a taxa social mais baixa. Aliás, isso vai ao encontro do que tem vindo a ser defendido pelo presidente do Fórum para a Competitividade ao sugerir a criação de um escalão negativo de IRS para as pessoas com menores rendimentos, em vez de um aumento do salário mínimo nacional (SMN), afirmando ser positiva para empresas e trabalhadores. «Esta é a via correta de fazer política social, melhorando o rendimento dos mais pobres, sem criar custos para as empresas.»

De acordo com Ferraz da Costa, as alterações levadas a cabo pelo atual Governo têm uma explicação ligada a interesses eleitorais e à popularidade do Executivo e, em ano eleitoral, lembra que, mesmo que não sejam feitas nenhumas alterações, pede «ao menos que se discutam». 

No entanto, o economista não tem dúvidas em relação a Portugal: «É um país que arrasta problemas durante meses e anos». E dá como exemplo, a greve dos enfermeiros. 

João Salgueiro

João Salgueiro considera que não conhece ainda o suficiente do relatório para poder comentar todos os aspetos e recomendações que foram feitas ao país. No entanto, quando o assunto é a urgência de diminuir a dívida, não deixa margem para dúvidas. «Uma dívida faz perder a independência ao país devedor. O desejável era que tivéssemos uma dívida de 60%, isto era estar dentro do padrão». No entender do economista, o caminho para diminuir a dívida pública nacional passa por «produzir mais. Os portugueses estão a viver abaixo das suas possibilidades. O país é tão pequeno que apenas precisávamos de ser mais atrativos. A Irlanda e a Suíça fizeram isto. São verdadeiros polos de atração», diz, acrescentando que, «se inspirássemos confiança, era diferente. Se fossemos mais atrativos, vinham  para cá e tínhamos mais emprego e mais expetativas para o futuro».  

O economista vai mais longe e destaca ainda o facto de países terem conseguido alcançar o desafio que agora Portugal enfrenta. João Salgueiro destaca o exemplo de Irlanda que, «nos anos 60, estava a ficar para trás. Fazer isto está ao nosso alcance. A questão é que estamos a falar, mas não estamos a resolver. Qual é a melhor estratégia no futebol? É ganhar. Este é um desafio e a estratégia é aquela ou quem a fizer melhor». Para o economista não restam dúvidas de que é necessário focar «no que possa fazer a diferença».