Acimeira de proteção das crianças na Igreja, convocada pelo Papa Francisco, será um momento definidor do seu pontificado. Quase 200 bispos, de todo mundo, juntam-se pela primeira vez com vítimas de abusos por sacerdotes, a mais visível da tentativa do Papa de enfrentar os sucessivos escândalos que abalam a instituição.
O objetivo é que haja «um antes e um depois do próximo domingo», considera Anselmo Borges, padre e professor de filosofia na Universidade de Coimbra, em entrevista ao SOL. Afirma que é urgente tomar medidas, considerando os casos de abusos sexuais «uma traição em relação às pessoas que confiavam na Igreja», avisando que, neste momento, esta «está muito descredibilizada».
Apesar disso, o professor mostra-se otimista: «Estou convencido que a atitude do Papa, de tolerância zero com a pedofilia, é mesmo para levar a sério». Borges viu «um dos sinais mais fortes» da convicção de Francisco na decisão de afastar do sacerdócio o ex-cardeal de Washington, Theodore McCarrick, condenado por abusar de crianças e adultos, e por solicitar sexo durante confissões.
Vários grupos de apoio de vítimas têm defendido que seja estabelecido, como regra da Igreja, a expulsão imediata do sacerdócio de padres condenados por abusos, tal como de bispos e superiores que ocultem os crimes. Borges concorda com a proposta, e diz ter confiança «que ambas as medidas irão para diante».
No entanto, quando questionado sobre o assunto, o arcebispo de Malta, e principal investigador de crimes sexuais do Vaticano, Charles Scicluna, deixou dúvidas quanto à questão. Scicluna diz que «tem de se avaliar o assunto caso a caso», antes de se expulsar um padre condenado.
Muitas vítimas mostraram exasperação com o que consideram ser a ausência de mudanças. «O mesmo de sempre», criticou Tim Law, presidente do grupo de apoio Ending Clergy Abuse, em declarações ao The New York Times. «Nos últimos seis anos o Papa tem falado em ‘tolerância zero’», diz Law, considerando que entretanto «ele recuou».
Apesar do Papa ter exigido aos bispos «medidas concretas», logo na abertura do encontro, tem-se referido a este como uma «catequese», para educar os bispos sobre como agir perante denúncias e garantindo que não subestimam a situação.
É fundamental «tomar consciência da tragédia que se abateu sobre a Igreja», considera Borges, pois muitas vezes está nas mãos dos bispos «a denúncia e a colaboração com a Justiça civil», para que haja «transparência» e que «os abusadores sejam levados a julgamento». Dando sempre «garantias de defesa aos acusados» porque «o princípio de presunção de inocência também vale para o clero».
Apesar de críticas por parte de cardeais conservadores, esta cimeira marca um precedente histórico na abertura da Igreja católica ao mundo, sob a direção do Papa Francisco. Mas os conservadores «neste momento» não terão capacidade para bloquear o Papa, dado que existe «uma orientação clara, tão clara» da Igreja, nesta cimeira, que «não será possível travar este movimento», considera Borges. Que até coloca a possibilidade da «abertura dos arquivos» do Vaticano, que terão muita informação útil para as «investigações da sociedade civil».
Borges acrescenta que ainda está muito por fazer para virar a Igreja para fora, não só no que toca a evitar o encobrimento de abusos sexuais. O professor defende «o fim do celibato obrigatório», prevendo que no próximo sínodo, sobre a Amazónia, já em outubro, «haverá abertura para a ordenação de homens casados».
O professor junta à recusa do celibato obrigatório para sacerdotes a crítica ao atual tipo de seminário, o «seminário trentino», dado que é preciso outro regime, não de internato, mas «em comunidade, em grande paróquias, num espaço mais aberto», para os seminaristas saberem melhor interagir com a sociedade e com fiéis.
Borges defende ainda a ordenação de mulheres. Por uma «questão de princípio», dado que Jesus teve discípulos mulheres, «havendo até referências, na Carta aos Romanos, a uma apostola, Júlia». Se «Jesus não descriminou», então «na Igreja não pode haver descriminação», considera o professor.