Karl Lagerfeld: a morte da criatividade no seu estado mais puro

Ele conseguiu tornar a Chanel cool não só graças à sua criatividade, mas a toda a sua estratégia: da integração das supermodelos nos anos 90 à inclusão de influencers, atrizes e modelos controversas e poderosas no mundo digital. Bom exemplo disso é Cara Delevigne e Kristen Stewart

Quem me conhece talvez adivinhasse a inevitabilidade de falar da morte de Karl Lagerfeld aos 85 anos.

Para quem devora moda, como eu, Karl será sempre uma lenda.

Envolto em polémica e dono de uma personalidade no mínimo questionável, a verdade é que a criatividade e génio de Karl serão para sempre lembradas.

Diretor Criativo da Casa Chanel desde os anos 80, foi responsável pelo renascimento da marca após a morte de Coco Chanel e um período decadente da marca. Foi ainda o grande criador da Fendi onde se manteve também até à data da sua morte e autor de uma marca com o seu próprio nome, dando largas a diferentes estilos e comunicando para diferentes tipos de mulher e homem.

Além da grande capacidade criativa, de ser um grande desenhador e criador, era também fotógrafo gerindo as campanhas de A a Z e conseguindo sempre surpreender.

Esta era uma das grandes qualidades de Karl e que enquanto fenómeno, e marca por mérito próprio, me importa analisar:

Lagerfeld era um homem sempre à frente do seu tempo, capaz de entender revoluções, de potenciar tendências como as redes sociais ou as influencers e de chegar a um target mais jovem com uma marca icónica e até ‘conservadora’.

Ele conseguiu tornar a Chanel cool não só graças à sua criatividade, mas a toda a sua estratégia: da integração das supermodelos nos anos 90 à inclusão de influencers, atrizes e modelos controversas e poderosas no mundo digital. Bom exemplo disso é Cara Delevigne e Kristen Stewart.

A coolness que trouxe às suas marcas foi suportada ao longo dos anos pelos melhores embaixadores para a sua marca. Quando não havia as redes sociais tinha as top models, as atrizes e até princesas, como a Carolina do Mónaco, que sempre levavam a sua marca aos palcos mais badalados.

Quando as redes sociais começaram a impor-se, rapidamente descobriu novos porta-vozes e ampliou brutalmente o espetro da marca, com micro e macro influenciadores que tivessem o adn da marca.

Foi nesta mistura que construiu ‘power brands’ e ‘power connections’.

E este poder todo tornou-se extremamente visível com a sua morte e a invasão de fotografias dele com as mais diferentes celebridades ou fashion people pelos feeds do Instagram.

Até a sua imagem foi construída e cuidadosamente criada para que a lenda viva e persista na memória – também visual – das pessoas. Choupette, a sua gata, é hoje uma ‘celebridade’ com página de Instagram e destaque nas redes sociais, uma personagem que faz parte de toda a aura de Karl. Assim como o afilhado ou as diferentes it girls and boys que iam sendo apadrinhados por ele ao longo dos tempos.

Nada é por acaso quando falamos dele. E é este lado também estratega que faz dele um caso a analisar no que diz respeito à construção de marcas, na sua sobrevivência ao longo do tempo e na capacidade de reinvenção e inovação total das mesmas.

Mais do que um diretor criativo, um homem atento a tudo o que é comunicação, que sabia vender uma marca e que construiu sonhos para cada mulher. Universos que queremos atingir e que para sempre viverão nos nossos desejos.

Karl será provavelmente o último dos designers de uma era de alta costura e de uma forma de viver a moda que hoje nem sempre subsiste. Um artista e um verdadeiro renascentista que se desdobrava nas mil formas de criação e assim criava verdadeiras obras de arte.

A moda ficou mais pobre, mas a lenda viverá para sempre.

*Diretora Criativa Havas Sports & Entertainment