Marcelo é o mel que cicatriza as feridas coloniais

O mais importante é que Marcelo consegue fazer as pazes de uma forma tão desconcertante que ninguém tem coragem de falar em problemas – pelo menos publicamente

Marcelo Rebelo de Sousa é um grande mestre de cerimónias e um magnífico ministro dos Negócios Estrangeiros. Basta olhar para a próxima visita a Angola. O Presidente da República vai chegar um dia antes do começo da visita oficial para estar presente na festa de aniversário de João Lourenço, deixando já a promessa de que o seu homólogo será convidado para vir ao seu aniversário em dezembro. A mestria de Marcelo revela-se nos pormenores. Quando questionado se já tinha comprado o presente para João Lourenço, respondeu ao jornal angolano Vanguarda: «Por falar em verdade, no momento em que respondo à sua legítima curiosidade, ainda estou a ponderar sobre o que oferecer como simbólica mas amiga lembrança pessoal».

Antes de se fazer à estrada, Marcelo deu essa entrevista ao Vanguarda, onde falou na abertura que se vive agora nas relações entre os dois países: «O que mais importa é que se vive um momento motivador nas relações entre Angola e Portugal, depois de anos, demasiados, de sensação de compasso de espera, de adiamento, de falta de mais próximo contacto».

Numa verdadeira ação de charme, Marcelo acrescentava: «Onde estiver o comboio angolano, aí está Portugal. Onde estiver o comboio português, aí está Angola». Verdadeira pop star em Luanda, o Presidente português é tratado por ‘tio Celito’, terá direito a discursar no Parlamento angolano, tendo ainda a possibilidade de ir a Benguela – uma cidade encantadora – e Huíla.

Mas o mais importante é que Marcelo consegue fazer as pazes de uma forma tão desconcertante que ninguém tem coragem de falar em problemas – pelo menos publicamente. Na referida entrevista, o Presidente português soube abordar os temas como a colonização de uma forma subtil: «Todas as nações, e, em particular, as mais antigas, têm de ter sempre presente o seu passado, no que teve de melhor e de pior, de sucessos e de fracassos. Essa capacidade de se ver ao espelho da História com verdade é essencial para construir o futuro».

Quem conhece a realidade angolana sabe perfeitamente que entre os povos há muito mais a uni-los do que a separá-los, mas as questões do passado e os negócios, para não falar da Justiça, causam muitos embaraços, algo que para Marcelo parece não existir. Digamos que a sua insustentável leveza do ser lhe permite fazer pontes onde se pensava ser impossível haver ligação.

Marcelo pode ser acusado de falar de mais de tudo e de todos, mas no que diz respeito ao legado português, o Presidente sente-se um verdadeiro peixe na água. Os povos que falam português adoram-no e Marcelo acaba por ser uma esperança para essas nações. Que no futuro tenham um Presidente que está próximo, que anda na rua, que se solidariza com as pessoas que sofrem, e que é apenas mais um. Pode dizer-se que tudo não passa de uma encenação, mas não creio. Marcelo ama ser adorado e nesses países as pessoas não estão cansadas do seu afeto. Bem pelo contrário. Por isso, Portugal nunca teve um embaixador tão estimado pelos países de língua portuguesa que consegue fazer as pontes necessárias. As colónias acabaram há pouco mais de quarenta anos e é natural que muitas feridas ainda estejam por sarar. Marcelo é o melhor mel para sarar essas feridas.

vitor.rainho@sol.pt