Citius prefere Ivo Rosa a Carlos Alexandre

Nos últimos três anos, Ivo Rosa ficou com mais 29 processos do que Carlos Alexandre. O SOL analisou as listagens de distribuição do Ticão de 2015 até fevereiro de 2019. Todos os anos foram feitas atribuições manuais.  

Citius prefere Ivo Rosa a Carlos Alexandre

Nos últimos anos, a distribuição de processos no Tribunal Central de Instrução Criminal, maioritariamente automática, tem sido favorável ao juiz Ivo Rosa. Feitas as contas, entre 1 de janeiro de 2017 e 20 de fevereiro deste ano, Ivo Rosa conseguiu mais três dezenas de distribuições – entre cartas rogatórias, processos em fase de inquérito e instruções – do que Carlos Alexandre. Os números constam das listagens consultadas pelo SOL e não deixam margem para dúvidas.

Desde 2016, em que o número de distribuições foi idêntico – Carlos Alexandre terminou o ano com 84 processos e Ivo Rosa com 81 – que o fosso foi crescendo, sempre em benefício do juiz que tem em mãos a instrução do processo mais mediático do país, a Operação Marquês.

O ano de 2017 terminou com 73 processos distribuídos a Ivo Rosa, contra os 60 que ficaram nas mãos de Carlos Alexandre. No ano seguinte – em que foi feita a distribuição para fase de instrução do caso que tem José Sócrates como peça central – o desnível acentuou-se: Ivo Rosa ficou com 76 processos, mais 14 do que Carlos Alexandre. E já este ano, a tendência mantém-se com Ivo Rosa a ganhar a guerra das distribuições, apesar de estar em exclusivo na Operação Marquês. É que apesar de ter pedido para ficar unicamente dedicado à instrução deste processo, foi colocada a juíza Ana Peres para fazer as suas vezes. Mas, ainda que na prática haja três juízes, a distribuição continua a ser apenas por dois.

As listagens mostram ainda que em 2015, Carlos Alexandre acabou o ano com 119 distribuições, menos do que as que conseguiram João Bártolo e Ivo Rosa – que estiveram em momentos diferentes naquele tribunal e ficaram no total com 121 processos.

No ano passado o assunto da distribuição de processos entrou na ordem do dia quando José Sócrates pediu, no seu requerimento de abertura de instrução, o afastamento do juiz Carlos Alexandre, invocando, tal como Armando Vara, que houve violação do princípio do juiz natural.

A defesa argumentava que em 2014, ainda na fase de investigação, o processo não tinha sido redistribuído eletronicamente a este juiz quando passou a haver a obrigatoriedade de um sorteio eletrónico.

Implicações do Citius vão ser analisadas pelo CSM

Entretanto, já este mês, o órgão de disciplina dos juízes decidiu arquivar a averiguação aberta no ano passado para apurar se tinham existido irregularidades na atribuição do processo Marquês ao juiz Carlos Alexandre em 2014. A decisão, tomada por unanimidade, seguiu assim aquele que foi o entendimento do inspetor judicial que teve o caso em mãos.

Ainda no ano passado, depois de o assunto da distribuição manual ter aberto telejornais, levantaram-se dúvidas em torno da fiabilidade do programa Citius com uma entrevista que Carlos Alexandre deu à RTP. O juiz disse na altura que o sorteio eletrónico de atribuição dos processos, feito com recurso ao Citius, não é 100% aleatório. «Há uma aleatoriedade que pode ser maior ou menor consoante o número de processos de diferença que exista entre mais do que um juiz», afirmou.

Apesar de nada ter a ver uma coisa com a outra, quando foi arquivada a averiguação à distribuição de 2014, o Conselho Superior de Magistratura deliberou a criação de um grupo de trabalho para se estudar melhor todas as implicações do Citius.

Tal como defendido também pelo inspetor judicial, foi aprovada pelo órgão de disciplina dos juízes a «constituição de um grupo de trabalho multidisciplinar, para acompanhar e equacionar as aplicações próprias do ‘Citius’, delegando-se no exmo. senhor vice-presidente a constituição do referido grupo de trabalho».

Só em 2019 é que ainda não foram feitas atribuições manuais

Nas listagens analisadas pelo SOL pode verificar-se que desde 2015 existiram atribuições manuais em todos os anos. E todos os juízes que nos últimos anos passaram pelo Tribunal Central de Instrução Criminal ficaram, em algum momento, com processos mediante atribuições manuais. Tanto Carlos Alexandre, como João Bártolo e Ivo Rosa viram processos ser-lhes atribuídos sem ser por sorteio eletrónico, ou seja, aquela que passou a ser obrigatório em 2015. Estas exceções podem ter diversas explicações, como é o caso de processos que sendo recusados pelo tribunal por falta de competência acabam por regressar, sendo distribuídos ao mesmo juiz a quem inicialmente tinha sido sorteado – independentemente de nesse espaço de tempo  (enquanto o processo sai e volta a entrar) essa supressão fazer ou não com que sejam sorteados outros processos a esse magistrado. No caso da Operação Marquês, Carlos Alexandre apresentou uma outra justificação para a exceção de ter sido feita uma redistribuição manual da Operação Marquês em 2014: o colapso do Citius nesse ano.

O SOL questionou ontem o Conselho Superior da Magistratura sobre estas diferenças no número de processos distribuídos, bem como se este assunto já está ou vai ser ser analisado pelo grupo de trabalho, mas não recebeu qualquer resposta até à hora de fecho desta edição.