Quem paga a conta?

Corria a década de 60 do século passado quando a produtora das conservas de peixe mais medalhadas do país começou a receber de volta latas com o produto deteriorado. Uma bactéria mais esquiva lograra afetar um lote de sardinhas em azeite, e a confiança na marca estava em causa. Um ‘comité de crise’ assumiu o…

Corria a década de 60 do século passado quando a produtora das conservas de peixe mais medalhadas do país começou a receber de volta latas com o produto deteriorado. Uma bactéria mais esquiva lograra afetar um lote de sardinhas em azeite, e a confiança na marca estava em causa.

Um ‘comité de crise’ assumiu o controlo dos danos e a decisão não se fez esperar: as latas continuariam a ser embaladas nas tradicionais caixas amarelas, mas a barra azul, que sublinhava o nome da marca, passaria a vermelha. A seguir, os vendedores contactariam os clientes para promover a substituição dos stocks por produto com o novo look. Em seis meses a operação estava concluída, ficando afastado o risco de alastramento da mancha do descrédito. Nesse mesmo ano, a marca ganhou a sua décima segunda medalha de ouro.

Passaram 40 anos, mudaram as pessoas e os costumes. E como mudaram…! 

Em 2007, um acionista do BCP, um único, em 150.000, resolveu fazer uma denúncia sobre alegadas irregularidades. Sem cuidar de saber ‘o quê e o porquê’ – ou talvez já soubesse… – o Banco de Portugal mandou tocar a rebate. O bom senso deveria ter alertado para o óbvio: o fogo sobre o BCP atingiria todo o sistema. Mas o governador não quis saber dessas minudências. 

Submetido a metralha persistente, o BCP desvalorizou 97% em dois anos. O denunciante teria encaixado uma perda próxima dos 1.000 milhões de euros, não fora ter tido a precaução de se blindar contra as perdas, à custa de cumplicidades antigas e negócios nunca esclarecidos. Trazido o escândalo para a praça pública, o herói deste filme não acusa o toque e explica olimpicamente: «Eu não perdi nada, quem perdeu foram os bancos».

Bastaram dez anos para que o sistema financeiro nacional ficasse reduzido a uma sombra do que fora. Recusando pôr os olhos no que o Banco de Espanha fazia, aqui mesmo ao lado, o Banco de Portugal fez abundante uso de duas armas letais: notícias para os jornais e ameaças de condenações e coimas. 

Por razões distintas, tombaram o BPN, o BPP, o BANIF e o BES, naquele que foi um dos períodos mais negros da banca portuguesa, com a fatura das perdas a ultrapassar os 30.000 milhões de euros. Se lhes somarmos a destruição de valor – do valor que os bancos tinham na véspera do derrube – a cifra deverá duplicar. Contas por alto, o rombo andará pelos 60.000 milhões de euros, que o país fica a dever à irresponsabilidade dos supervisores e à incúria dos governantes.

Ou alguém acredita que as separações do BPN/Parvalorem, do BANIF/Oitante, ou do NOVO BANCO/BES MAU foram as melhores decisões? 

E que dizer das vendas ruinosas do BPN ao BIC, do BANIF ao SANTANDER e do NOVO BANCO ao LONE STAR? Não teria sido mais avisado tentar salvar, em vez de arruinar e deitar fora?

Os portugueses já estão a pagar prejuízos que não causaram. Não será tempo de lhes aliviar a carga e apresentar a conta ao Banco de Portugal e à CMVM? Dinheiro não lhes falta! O Orçamento do Estado agradeceria e os contribuintes também.