O mito do luxo acessível

Os produtos de luxo não são para a maioria de nós, comuns mortais. Ou melhor, até são, mas não para os comprarmos. Não podemos, não conseguimos e racionalmente não fazem sentido nenhum. Roupas, carros, férias ou casas são exemplos fáceis e é raro encontrar alguém que tem ou faz exatamente tudo o que gostaria. O…

Exclusividade é talvez a característica que melhor define os produtos de luxo. Mas, há outras. Todos os atributos e pormenores da experiência de compra, utilização e recomendação têm de ser as melhores nos produtos de luxo, é por isso que estamos a pagar. Convém que nada falhe: do conhecimento e simpatia dos interlocutores, à qualidade e características do produto e até ao serviço de acompanhamento pós-venda, tudo tem de ser irrepreensível, orientado para a satisfação dos desejos do cliente. Não é fácil, nem simples, além de dar trabalho e acarretar um risco considerável. Mas o luxo não pode e não deve ser uma experiência acessível, barata. Sobretudo banal.

Porém, há uma categoria de produtos que, a partir de muitas referências estabelecidas no mercado do luxo, desenvolveu um outro mercado, muito maior, o do luxo acessível. Estas são marcas que não tendo, por opção, capacidade de entregar um padrão de qualidade, serviço ou exclusividade superior, único, optam por um bom compromisso e assumem, de forma mais ou menos evidente, uma réplica de algumas características das referências do setor do luxo. É o quase igual. E apesar do enorme sucesso de muitas destas marcas, não é um bom caminho.

Há quem tente, mas são muito poucos os que conseguem entregar uma experiência comparável com aquela que as marcas de luxo entregam. Falta sempre qualquer coisa que, por muito pequena que seja, faz logo uma grande diferença. Seja o atendimento personalizado ou a qualidade dos materiais, o luxo acessível é um conceito de cedência, um pacto que marca e consumidor aceitam – ou quase. Quem compra desvaloriza o que não tem, os acessórios são supérfluos o essencial é quase igual. Lá se vai o luxo na aceção de ser tudo o que se quer e que nunca se pensou ter. É fascinante, deslumbra. O luxo acessível não deslumbra, cumpre.

Por outro lado, são as pessoas, os consumidores dos produtos. Não sendo os mesmos não imagino que uns possam existir sem os outros. Quem compra procura reconhecimento, sinalizar um determinado estatuto, alguma ostentação. Quem não compra e, se para melhor tendencialmente todos mudamos, certamente, tendo possibilidade, muitos mais comprariam. Reparam, comentam, admiram. Claro que ‘invejam’! O assumir de que não é para si e porquê, reforça ainda mais o caráter de exclusividade da marca ou serviço. Ou seja, são aqueles que nunca vão ser compradores regulares que conferem às marcas de luxo muito do seu estatuto, que mais as valorizam e melhor as vendem.

Há quem diga que não vale o que custa, que não valoriza a(s) experiência(s). É claro que temos de respeitar as preferências individuais, não podemos gostar todos do mesmo. E até podemos não ligar a marcas e símbolos. Mas, movidos pelas suas convicções, ‘inveja’ saudável ou pura mesquinhez, o que estes discursos fazem é, mais uma vez, a promoção e valorização da experiência do luxo.

Quando penso no mercado do luxo fico sempre na dúvida se teria alguma possibilidade de existir se o outro, o do luxo acessível, não existisse. Então, porquê o mito?

Porque o luxo acessível, de facto, não existe. Existem bons produtos e serviços, que concorrem com os produtos de luxo, que se inspiram nas suas propostas de valor, referências de comunicação e até modelos de negócio. Mas é necessário manter o mito, como forma de continuar a fazer comparações e assim distinguir o verdadeiro produto de luxo. E não deixa de ser engraçado observar que tanta gente se contenta com o segundo melhor, o wannabe, quando podia com o mesmo nível de esforço ter o melhor, de uma categoria inferior.

Não há nenhuma necessidade importante à nossa sobrevivência que só possa ser satisfeita exclusivamente por um produto ou serviço de luxo. Nada vende tão bem o luxo como todos os que o conhecem e não o podem ter. Daí que mesmo que luxo acessível não exista de facto, o seu mito não pode morrer. Para bem de todas as verdadeiras marcas de luxo.

 

*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media