‘Com regionalização o país não era tão assimétrico’

O ex-governante social-democrata Almeida Henriques defende que a regionalização iria trazer várias vantagens para o país e que este será o passo seguinte da descentralização. Processo que  está atrasado.

‘Com regionalização o país não era tão assimétrico’

Como está o processo de descentralização? Vai avançar?

Participei de forma muito ativa no processo, enquanto vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). É preferível darmos um passo do que nenhum. Mas há um pecado capital em todo este processo de descentralização.

Qual?

Não se ter feito uma discussão sobre o modelo de organização do Estado e como se deve reorganizar. Ok, é importante dar competências às autarquias, porque há coisas que as câmaras farão muito melhor do que o Estado Central. Mas qual é o modelo organizativo? Por outro lado, descentralização sem regionalização faz pouco sentido.

O país está preparado para a regionalização?

Penso que sim. Se o país já tivesse feito a regionalização, provavelmente não era tão assimétrico como hoje é. Sou um regionalista convicto. Ao invés de alguns que acham que a regionalização iria engordar mais a máquina do Estado, acho que a máquina do Estado está é gorda no Estado Central.

Porquê?

Num Estado descentralizado também existem quadros, por exemplo, nas CCDR ou nas direções regionais, etc. É possível fazer um processo de regionalização sem levar ao engordar do Estado. Discute-se e põe-se em causa se a regionalização não vai engordar o Estado, mas ninguém põe em causa que o Estado Central vá engordando todos os dias.

De que forma sente isso?

Quando se trata de cortar, olha-se primeiro para os territórios de mais baixa densidade que até precisam da presença dos organismos do Estado, sem muitas vezes pensar em encerrar uma direção geral em Lisboa, que não teria impacto nenhum. Opta-se por encerrar pelo país todo, com um prejuízo claro para a coesão territorial. Portanto, o processo de descentralização tem este pecado de início, mas não deixa de ter as suas virtudes. Os astros estão alinhados e todos querem avançar para a descentralização – a ANMP, a ANAFRE, o Governo, os partidos da oposição –, e há que aproveitar esta oportunidade, porque o caminho será sempre positivo. Mas temos que ver os meios financeiros.

Os cálculos do Governo batem certo com os seus?

Recebi agora o mapa da área da Saúde. E, com aquele mapa, nunca aceitarei quaisquer competências.

E para a Educação?

Para a Educação ainda não recebi o mapa. Devo receber dentro de dias.

Qual o valor proposto para a Saúde?

Penso que será de 500 mil euros por ano para cinco centros de saúde, três extensões, com um quadro de pessoal entre as duas a três centenas. Este valor nem é ponto de partida para discussão.

Qual é a diferença de valores para a Saúde?

Mesmo que multiplique o valor por dez, não aceito. Só para ver onde está a décalage. Da minha parte, não terá aceitação. O problema do envelope financeiro vai pôr-se essencialmente na área da Saúde e na área da Educação. Não se pode partir do princípio daquilo que foi a despesa nos últimos três anos quando sabemos que há aquecimentos em escolas que estão sem funcionar há anos, quando estamos em período de cativações e quando o investimento não se fez. Além disso, há rendas entre organismos do Estado que estão por pagar, referentes a estes últimos anos. E isso não está devidamente quantificado.

Rendas de que organismos?

Tenho uma situação em Viseu, por exemplo, de um organismo da Saúde que está instalado num organismo da Segurança Social e as rendas não são pagas há vários anos. E isso não esta refletido no mapa. Há dossiers que têm de ser obrigatoriamente revisitados. É o caso da Saúde. Este ponto de partida que o Governo enviou, dificilmente alguém no seu juízo perfeito aceitará. Disse, aliás, ao secretário de Estado que se aceitasse as competências na Saúde, nos termos em que me estava a propor, dentro de três anos estava a entregar-lhe as chaves da Câmara de Viseu porque estaria em situação de insolvência. Nunca o farei.

Perante este cenário, qual é a sua expetativa para a Educação?

Não é muito positiva. Na Educação há todo um percurso que as autarquias já fizeram no 1.º ciclo do básico que lhes deu o know-how. Agora não podemos aceitar tudo cegamente. Há que ter em conta os custos diários e a manutenção das escolas, sobretudo a questão das obras. Entre as 100 escolas que temos ainda há, por exemplo, escolas com cobertura de amianto e que são da responsabilidade da Administração Central. Enquanto presidente da câmara, assumi responsabilidade de fazer obras em duas escolas da Administração Central, e a contrapartida nacional ainda nem sequer foi assumida. Estou para inaugurar as duas escolas e só convido o Governo para estar presente se se chegar à frente com os 7,5% que ficou acordado, quando deveria ser 15%.

Então percebe as críticas e a resistência da maioria das câmaras em avançar com este processo…

Sim, percebo. Os dados que tenho da Direção Geral das Autarquias Locais (DGAL) é que só 180 câmaras avançaram com algumas áreas. E acho que ninguém deve ser penalizado por não avançar de imediato. Por isso é que o processo é gradual. Há a questão dos envelopes financeiros, mas também há a questão da preparação das autarquias.

Qual foi o valor desse investimento?

Estamos a falar de 2,3 milhões de euros de obras dos quais o Estado deveria suportar 7,5%. O meu receio é que, com o processo de descentralização, estas situações se repitam.

Mas já avançou com a descentralização em algumas áreas?

Para já, aceitámos as competências em algumas áreas como o estacionamento os edifícios públicos e as Lojas do Cidadão.

E para assumir todas as competências previstas, qual o valor do envelope financeiro proposto pelo Governo para Viseu?

Até agora, ainda não propôs. A primeira vez que tivemos conhecimento de algum mapa foi agora, com a Saúde.

O processo está atrasado, não?

Está. O Governo demorou a enviar os dados às autarquias para que possam decidir.

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